Aunque está escrito íntegramente en portugués, y dada su importancia y trascendencia, Proyecto ORALITURA publica esta vez el trabajo de fin de curso para obtener la Licenciatura en Música en la Universidad Federal de Cariri, en el Estado de Abaiara, en Brasil, trabajo con el que la joven maestra e investigadora brasileña Maria Isabel Caldas Grangeiro obtuvo su titulación e inauguró la primera escuela de repentismo que sesiona en Brasil, utilizando el “Método Pimienta”, inspirado en el trabajo que durante más de una década hemos venido haciendo en Cuba y otras partes del mundo. La Escuela de Cantoria repentista de Brasil nace, de este modo, hermanada con la Cátedra Internacional de Poesía Improvisada de la Universidad de las Artes de La Habana, Cuba.
Desde proyecto ORALITURA felicitamos a Maria Isabel Caldas Grangeiro, así como a su tutora y orientadora, la doctora Carmen María Saaenz Coopat, quien ha hecho posible este vínculo cultural y académico entre Brasil y Cuba.
Publicamos, entonces, íntegramente, el trabajo de graduación de Maria Isabel Caldas Grangeiro. Y ojalá este sea el primer caso, pero que hermanamientos de este tipo y colaboraciones a nivel académico surjan y florezcan en otros lares de América.
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Isabel Maria Caldas Grangeiro.hija del gran repentista brasileñoGilvan Grangeiro |
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI -
UFCA CURSO DE MÚSICA LICENCIATURA
MARIA ISABEL CALDAS GRANGEIRO
“CANTORIA REPENTISTA COMO FERRAMENTA DE EDUCAÇÃO MUSICAL: ESCOLA EXPERIMENTAL DE REPENTISTAS DE ABAIARA”
Trabalho de Conclusão do Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Cariri, como requisito parcial à obtenção do título de Graduação em Música.
Área de concentração: Artes/Música.
Orientadora: Profª. Dra. Carmen Maria Saenz Coopat
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BANCA EXAMINADORA
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Profª. Dra. Carmen Maria Saenz Coopat (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
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Prof. Me. Márcio Mattos Aragão Madeira
Universidade Federal do Cariri (UFCA)
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Prof. Dr. Cleyton Vieira Fernandes
Universidade Federal do Cariri (UFCA)
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Profª. Dra. Francisca Pereira dos Santos
Universidade Federal do Cariri (UFCA)
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DEDICATÓRIA
Dedico este meu trabalho
Aos poetas cantadores
Que trazem na sua arte
Saberes encantadores
Com copiosa maestria
Por meio da poesia
São também educadores
(Isabel Grangeiro)
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Gilvan Grangeiro e Raimunda Caldas pelo exemplo de vida, pelo amor sincero que me dedicam e pelos conselhos tão sábios. Por serem pais presentes que me ajudam ser uma pessoa melhor a cada dia. Pelo incentivo e por cumprirem de maneira tão linda a missão que lhes foi confiada por Deus.
Aos meus amados irmãos Ismael e Emanuel pela amizade e companheirismo, e aos demais familiares pelo apoio.
Ao meu namorado e amigo Emanuel Bezerra pela paciência e companheirismo.
Ao maestro Paulo Fabiano da Banda de Música Paroquial Imaculado Coração de Maria da cidade de Abaiara, que foi o responsável pelo meu primeiro contato formal com a Música.
Aos professores Robson Almeida, Marco Antônio, Isaura Rute, Cláudio Mappa, Ítalo Rômulo, Weber dos Anjos, Cleyton Fernandes, Goretti Herculano, Josimeire Medeiros, Fanka Santos, Izaíra Silvino e Ivânio Azevedo pelas valiosas lições ensinadas e por contribuem para o meu crescimento profissional e pessoal.
À professora Carmen Coopat pela amizade e o responsável trabalho de orientação que me dedicou.
Ao professor Márcio Mattos, pelo trabalho que realizou como tutor do PET Música, pela amizade e incentivo durante todo o meu processo de formação.
Aos amigos da faculdade, que aos poucos se tornaram uma segunda família e me fizeram vivenciar momentos e experiências únicas.
À UFCA e ao PET/SESU/SECAD que incentivaram o meu desenvolvimento no meio acadêmico.
À E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra, pelo acolhimento, em especial à tia Lu pela ajuda, e à turma do 4° ano pela disposição.
Ao repentista Alexis Diaz-Pimenta que contribuiu bastante para o desenvolvimento da pesquisa.
E finalmente a Deus por me cercar de tantas pessoas maravilhosas. Pelas alegrias que pude vivenciar através da Música e pela oportunidade de compartilhar este dom com todos os meus
amigos e mestres.
RESUMO:Este trabalho apresenta uma pesquisa ainda em andamento, que busca uma aproximação entre Cultura Popular e Educação Básica, por meio da Cantoria Repentista, manifestação musical e literária muito presente no Brasil, em especial na região Nordeste. A intenção é realizar uma atividade voltada para o ensino dos aspectos da Cantoria, com o intuito de desenvolver potencialidades poéticas em crianças visando ainda à possibilidade de criar o primeiro núcleo da Escola Experimental de Repentistas de Abaiara. A atividade é inspirada no “Método Pimenta”, desenvolvido em Cuba, México e Espanha pelo repentista Alexis Diaz-Pimenta e é realizada em Abaiara, com o auxílio do poeta repentista Gilvan Grangeiro na turma do 4° ano da E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra.
Palavras–chaves:Cantoria Repentista; Educação Musical; Escola Experimental de Repentistas de Abaiara
RESUMEN: Este trabajo presenta una investigación aún en proceso, que busca una aproximación entre Cultura Popular y Educación Básica, por medio de la Cantoria Repentista, manifestación musical y literaria muy presente en Brazil, especialmente en la región Noroeste. La intención es realizar una actividad dirigida hacia la enseñanza de los fundamentos de la Cantoria, con el propósito de desarrollar las potencialidades poéticas en los niños y más aún con el objetivo de crear el primer núcleo de la Escuela Experimental de Repentistas de Abaiara. La actividad está inspirada en el “Método Pimienta”, desarrollado en Cuba, México y España por el repentista Alexis Díaz Pimienta y está siendo realizada en Abaiara, con la ayuda de el poeta repentista Gilvan Grangeiro en el grupo de 4to. Año de la E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra.
Palavras clave: Cantoria Repentista; Educação Musical; Escuela Experimental de Repentistas de Abaiara
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CCBNB– Centro Cultural Banco do Nordeste
CREDE – Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação
EDUCAMUS – Encontro de Educação Musical
E.E.I.F. Cel. Humberto Bezerra – Escola de Ensino Infantil e Fundamental Coronel Humberto Bezerra
PET – Programa de Educação Tutorial
SESC – Serviço Social do Comércio
SIBE – Sociedad Ibérica de Etnomusicologia
UFCA – Universidade Federal do Cariri
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Justificativa e Objetivos
1. BREVE HISTÓRICO DA CANTORIA
1. 1 Instrumento Característico
1. 2 Principais Estilos
1. 3. Cantoria em Abaiara
1. 4. Obrigado meu Deus Porque me Fez Sertanejo, Poeta e Sonhador.
2. ESCOLA DE REPENTISTAS DE ABAIARA
2.1. Descrição do Processo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
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CANTORIA REPENTISTA COMO FERRAMENTA DE EDUCAÇÃO MUSICAL: ESCOLA EXPERIMENTAL DE REPENTISTAS DE ABAIARA
O trabalho que faço é o retrato
De um Nordeste que Deus fez progredir
Humorista fazendo o povo rir
O vaqueiro pegando o boi no mato
Mostra o Mestre Galdino lá no Crato
Dando vida a tudo quanto cria
Patativa escrevendo poesia
E Gonzagão arrastando a concertina
Divulgando a cultura nordestina
Atravesso fronteiras todo dia.
(Gilvan Grangeiro)
INTRODUÇÃO
Conhecida por sua rica diversidade de manifestações culturais tradicionais, a região Nordeste do Brasil é formada por nove estados, entre eles o Ceará, do qual destaco a região do Cariri, composta por alguns municípios do sul do Estado. O Cariri é considerado um caldeirão de cultura, pela mescla e diversidade cultural que abriga, principalmente na música, sendo este um dos motivos que tem feito da região um espaço de muitas investigações nas áreas de Educação Musical e Etnomusicologia.
A Cantoria Repentista, o Reisado, a Dança do Coco, os Penitentes, as Bandas Cabaçais, as Lapinhas, os Rabequeiros, os Sanfoneiros, os Violeiros entre outros são agrupamentos musicais e artistas tradicionais característicos e muito presentes na região. Na maioria das vezes, o conhecimento que os participantes destas manifestações têm, para a manutenção da tradição, lhes foi transmitido informalmente, por meio da oralidade.
A diversidade cultural da Região do Cariri Cearense é ímpar, complexa e de alto teor expressivo, comunicador da capacidade inteligente do homem e da mulher desta Região, da capacidade expressiva e do imaginário desse homem e dessa mulher, através de fatos, obras e objetos de significados estéticos tão próprios de si, que se particularizaram como identificadores do pensamento cultural regional. (ALBUQUERQUE, 2009, p.5)
O Curso de Música da Universidade Federal do Cariri tem como uma de suas propostas a valorização da cultura local, incentivando a aproximação dos acadêmicos com a comunidade, como forma de despertar seu interesse por investigar a respeito da produção cultural e artística da região, a partir do contato com as manifestações tradicionais da comunidade, não se apropriando e nem interferindo de maneira invasiva em seu fazer musical, mas de forma a promover uma interação entre os diferentes saberes (popular e acadêmico), por acreditar que essa aproximação é saudável, já que pode contribuir para a formação do educador musical.
A formação do profissional cujo perfil é aquele onde a criatividade e o reconhecimento de seu ambiente cultural, assim como a consciência das possibilidades da música como elemento essencial de comunicação e de expressão são as principais características, é o que tentamos permitir através desta proposta (ALBUQUERQUE, 2009: 32,33).
Seguindo a proposta do Curso, entendo que essa aproximação pode também contribuir de forma significativa para a Educação Musical a ser desenvolvida nos ambientes escolares do Ensino Básico no Brasil. Tendo em vista que esse contato é relevante para a formação do indivíduo, acredito na importância da inserção da cultura popular no currículo escolar, visando uma maior proximidade entre a escola e a cultura presente na região.
Com base nesse pensamento inicio esta investigação a partir dos seguintes questionamentos: Como articular tradição com o ensino formal na escola, no ensino básico? Como aproveitar o conhecimento que os alunos adquirem fora da escola, e introduzi-lo junto às práticas pedagógicas? Busco respostas para tais questionamentos por meio de um trabalho que estou realizando – e que será descrito abaixo – a partir dos aspectos da Cantoria Repentista.
Essa forma de expressão musical surgiu na França em meados do século XI, e na atualidade se faz muito presente na região Nordeste do Brasil. É a tradicional apresentação entre dois poetas populares, que debatem sobre diversos temas de acordo com o momento ou gosto do público presente. Esse gênero musical e literário caracteriza-se pela arte da improvisação em versos acompanhados ao som da viola caipira – instrumento musical característico dessa manifestação cultural. Para Ramalho, 2000, p. 90, a Cantoria é
[...] um ‘gênero poético-musical’ originário do Nordeste e veiculado pelos poetas cantadores. Esses intérpretes dos sentimentos de sua gente contam, cantando ao seu público, tanto os eventos do mundo real em que vivem como as fantasias que povoam sua imaginação, dentro de determinados padrões de versificação imbricados a uma linha melódica.
Embora não seja esse o foco da pesquisa, considero importante ressaltar, que no Brasil existem outras formas musicais que também tem como base a arte da improvisação, como é o caso da embolada e do coco, e estes utilizam como principal instrumento de acompanhamentoo pandeiro e/ou o ganzá.
Interesso-me por pesquisar este tema porque nasci num meio cultural onde a Cantoria sempre esteve presente. Cresci em uma família que muito valoriza esta arte, e de onde surgiram grandes nomes da poesia cantada, como Pedro Bandeira, João Bandeira, Sílvio Grangeiro e Gilvan Grangeiro.
Sendo filha do poeta repentista Gilvan Grangeiro, vivencio este contato desde a infância, primeiramente em casa, e depois através da participação em cantorias e festivais. Recordo-me que antes de ingressar na universidade, ainda que acompanhasse muitos eventos relacionados à Cantoria e talvez por conviver tanto com aquela realidade, não atentava para a real importância desse fazer musical e para o quanto aprendia com este convívio. Adquiria, mesmo que inconscientemente, conhecimentos que davam subsídios à minha formação musical e também cultural, resultando posteriormente no meu interesse pela música, embora não diretamente pela Cantoria, e incentivando-me a buscar um conhecimento mais aprofundado nessa área, o que culminou no meu ingresso na Universidade.
Nesse momento tive a oportunidade de vivenciar a disciplina de Cultura e Antropologia, onde as professoras Izaíra Silvino e Fanka Santos nos despertavam para a importância de olharmos com mais afeto para a ‘gente semente’ do Cariri cearense que a partir da construção de diferentes saberes constroem também uma cultura com uma identidade que é nossa. O livro Esmiuçando Saberes de Gente Semente, 2011, descreve a trajetória da disciplina e demonstra que este despertar fazia parte dos princípios que a norteavam, quando fala a respeito da importância do Cariri Cearense “que foi foco de nossos olhares” (p. 24) e do programa da disciplina “que encaminhava para a questão de cultura e antropologia musical, onde o conceito ‘gente semente’, foi buscado como construção cotidiana durante o processo de aquisição e composição de conhecimento” (p. 24).
Lembro que em uma das aulas enquanto desfrutávamos da grande sabedoria do poeta e repentista Pedro Bandeira, algumas coisas das quais discutíamos já me eram familiar, e foi a partir daí que comecei a despertar para o quanto minha vivência tinha sido importante. Aos poucos pude perceber o valor dessa manifestação para a construção da nossa cultura, e passei a enxergar meu pai, um grande artista da região, como uma importante semente na minha formação.
O meu ingresso na universidade (2010) e a participação como bolsista do PET– Programa de Educação Tutorial (2011-2013), que compartilha da mesma proposta do Curso, tem proporcionado uma aproximação da UFCA com o poeta Gilvan Grangeiro, que já se apresentou fazendo a abertura de alguns eventos na instituição, como foi o caso do II EDUCAMUS– Encontro de Educação Musical, promovido pelo PET e professores do Curso de Música, em novembro de 2011. O evento teve como principal objetivo a discussão de assuntos que envolvessem a Educação Musical, procurando também manter uma relação próxima a outra grande área da música, a Etnomusicologia. Aproveitando a possibilidade de aproximação entre ambas as áreas, o tema do evento buscava desenvolver ainda mais as discussões sobre “Educação, Identidade e Patrimônio Musical”.
Foram convidados para participar do evento alguns grupos de cultura popular da região como: O Coco Frei Damião (grupo de coco formado somente por mulheres), a Orquestra Armorial do Cariri (grupo que se utiliza da rabeca e de outros instrumentos populares, como pífanos e zabumbas na intenção de desenvolver uma nova maneira do fazer musical na região); o luthier Chico do Canolino (que constrói instrumentos de cordas) e o repentista Gilvan Grangeiro que, como já foi dito, participou fazendo a abertura do evento.
Outro momento onde pudemos vivenciar essa experiência de nos aproximarmos de manifestações musicais populares foi com o Grupo Retalhos e Fuxicos, formado com os integrantes do PET, que em 2012 desenvolveu um trabalho em homenagem ao músico e compositor Luiz Gonzaga, utilizando um repertório formado a partir das composições do artista e da realidade musical do Cariri. O espetáculo foi apresentado em uma série de eventos motivados pelo centenário de seu nascimento e Gilvan Grangeiro esteve presente em todas as apresentações do grupo na sua poesia O Nordeste comemora cem anos de Gonzagão que se tornou abertura do espetáculo Numa Sala de Reboco.
[...]
Aquele bom sanfoneiro
Cantou a cintura fina,
O cheiro de Carolina,
E a morte do vaqueiro,
Asa Branca, Boiadeiro,
O jumento nosso irmão
E triste partida a canção
Do pobre que foi embora
O Nordeste comemora
Cem anos de Gonzagão
[...]
Na apresentação do dia 13 de dezembro de 2012, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) o poeta abrilhantou a abertura do show cantando os versos outrora lidos, encantando-nos ainda com outro poema escrito especialmente para o grupo, que ele carinhosamente define como “um pássaro no chão do Cariri, que divulgando a cultura nordestina atravessa fronteiras todo dia”.
“O trabalho que faço é o retrato
De um Nordeste que Deus fez progredir
Humorista fazendo o povo rir
O vaqueiro pegando o boi no mato.
Mostra o mestre Galdino lá no Crato
Dando vida a tudo quanto cria
Patativa escrevendo poesia
E Gonzagão arrastando a concertina.
Divulgando a cultura nordestina
atravesso fronteiras todo dia.
Sou um pássaro do chão do Cariri
Meu prazer é cantar de mundo afora
Juazeiro, Barbalha, Crato, Aurora
Brejo Santo, Abaiara e Mauriti.
Mas também já cheguei até Madri
Lá em Cáceres cantei com alegria
Tô chegando na Rússia, na Turquia
Nos Estados Unidos e na China.
Divulgando a cultura nordestina
atravesso fronteiras todo dia.
Gilvan também participou no dia 21 de novembro de 2013 da abertura do lançamento do livro Conexões de Saberes Musicais, publicado pelo PET do Curso de Música. O livro relata as ações que o grupo desenvolveu durante os últimos três anos, e o poeta cantou sobre os assuntos contidos no livro, participando ainda do encerramento do evento, onde relembrou os versos cantados no CCBNB, abrilhantando novamente a apresentação do Retalhos e Fuxicos.
O PET Música marchou
De encontro às comunidades
E para elas levou
Brilhantes atividades
Com muitos ensinamentos
Sobre vários instrumentos
Ritmos e técnicas vocais
Eu li sobre essas ações
No livro Conexões
De Saberes Musicais
O convívio familiar e as experiências vivenciadas na universidade me possibilitaram um estudo mais amplo sobre o tema podendo contribuir para a preservação e divulgação dessa cultura, e fomentar, mesmo que indiretamente, a manutenção de uma tradição musical muito importante e que, apesar de não ser cultura de massa, se mantém forte por ser popular e carregada de saberes e sentimentos.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
Na busca por desenvolver uma ação prática que pudesse embasar esta pesquisa – já que além da pesquisa a disciplina Trabalho de Conclusão de Curso –TCC- exige uma ação pedagógica – entrei em contato, através da professora Carmen Maria, orientadora deste trabalho, com a experiência de Alexis Diaz-Pimenta, repentista cubano que desenvolve em Cuba, no México, e na Espanha um trabalho destinado ao ensino de repentes.
O “Método Pimenta”, nome que faz referência ao sobrenome do seu fundador, surgiu em 1988, quando Alexis Diaz-Pimenta inicia uma pesquisa sobre as práticas da poesia improvisada em Cuba e na América Latina, para a construção do seu livro Teoria da Improvisação. O fato de ele ter começado a improvisar aos cinco anos lhe incentivava a construir fórmulas que facilitassem o ensino dos repentes para as crianças, principalmente por meio da utilização de jogos poéticos.
Considerando que seu pai também era repentista, indagou-se a respeito de quais métodos ele utilizou para ensiná-lo a improvisar e na busca por essa resposta iniciou com seu filho uma experiência que muito cedo surtiu resultados. A partir dessa e de outras vivências percebeu-se que as crianças ficam fascinadas pela arte de criar versos e que é possível ensinar a improvisar a partir do zero; que mesmo sem conviver com a tradição pode-se desenvolver essa potencialidade e que a prática da improvisação facilita o desenvolvimento de habilidades intelectuais da criança.
Após conhecer previamente o método utilizado por Alexis Diaz-Pimenta e considerando também a minha vivência surge a vontade de desenvolver uma primeira experiência voltada para o estudo da Cantoria, a partir da utilização de seus principais aspectos como o ritmo, a métrica, as rimas, o uso da improvisação, além da discussão de diversos temas do cotidiano, através da poesia cantada, de maneira a instigar à criatividade dos alunos.
Com base nesse método e na filosofia do educador musical Suzuki que afirma que “toda criança pode alcançar altas capacidades se for exposta a um método educacional adequado” (1994, p.11), inicio a pesquisa partindo do princípio de que toda criança tem também a potencialidade de se expressar ou de se comunicar através de versos cantados, especialmente as que convivem direta ou indiretamente com a arte do repente e tento com a atividade identificar habilidades poéticas dentro da escola e despertar nos alunos e professores o interesse pela cultura popular, que muitas vezes não é valorizada.
A educação musical contemporânea demanda a construção de novas práticas que dêem conta da diversidade de experiências musicais que as pessoas estão vivenciando na sociedade atual. Assim, transitar entre o escolar e o extraescolar, o “formal” e o “informal”, o cotidiano e o institucional, torna-se um exercício de ruptura com modelos arraigados que teimam em manter separadas esferas que na experiência vivida dialogam. (ARROYO, 2000, p. 89, apud. WILLE)
Pensando onde realizar meu estudo, lembrei-me primeiramente da E.E.I.F. Cel Humberto Bezerra, localizada na Vila São José, distrito de Abaiara, escolhida porque foi onde vivi minhas primeiras experiências escolares. Além disso, existe uma ligação familiar com algumas funcionárias da escola, sendo uma delas minha tia, a professora Luciana Caldas, que coordena a sala do 4º ano da escola e colabora com a pesquisa me disponibilizando sua turma. Na Vila São José reside o poeta Gilvan Grangeiro, protagonista dessa história, que também está me auxiliando na ação, sendo peça fundamental nesse processo.
Abaiara é um município localizado no interior do Sertão do Cariri Oriental, sul do Estado do Ceará. Ocupa uma área de 182,6 Km² e faz fronteira a Leste e Norte com o município de Milagres, ao Sul com Brejo Santo, e a Oeste com Missão Velha. Emancipada em 25 de Novembro de 1957, possui atualmente cerca de 12.000 (doze mil) habitantes, e sustenta sua economia, especialmente, através da agricultura e do comércio. É uma cidade rica no que diz respeito à cultura, integrando muitos grupos, como banda de pífano, reisados, banda de música, grupo de penitentes, quadrilhas e os cantadores.
Diante dessa realidade considero a iniciativa importante porque é uma forma de incentivo à interação entre cultura e escola, e, além disso, privilegia a lei 11769, que torna obrigatório, o ensino da música na Educação Básica das escolas públicas e privadas do Brasil. Embora a música esteja integrada à disciplina de Arte, podendo ser trabalhada juntamente com as demais linguagens artísticas, com a aprovação dessa lei, surge a necessidade de novas possibilidade metodológicas que possam ser utilizados em sala de aula.
Uma maneira de buscar uma maior relação com a vida dos alunos é considerar a cultura que faz parte do seu dia-a-dia, sua cultura experiencial. [...] É nesse sentido que, atualmente, existem tendências pedagógico-musicais, que se preocupam em contemplar e incluir, no ensino da música, a diversidade musical presente na vida dos alunos. (WOLFFENBÜTTEL, 2004; 10, 11)
A Cantoria é um gênero rico em muitos aspectos. Através dela pode-se trabalhar a gramática, a concentração, a criatividade, a dicção, a técnica vocal, a improvisação, e ainda a interdisciplinaridade, visto que pode abranger assuntos como a natureza, os sentimentos, fatos ocorridos ou não, lugares, e ainda temas de humor ou da atualidade, como política e religião, que podem ser ligados às diferentes disciplinas. A Cantoria Repentista não é relevante apenas por suas especificidades e características musicais, mas também porque aborda temas significativos, intrínsecos a toda a sociedade.
Para a realização deste trabalho proponho os objetivos a seguir;
OBJETIVO GERAL
Desenvolver num grupo de crianças as potencialidades de expressão e comunicação, verbal e musical de forma sistematizada através da arte popular do repente.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1-Analisar as potencialidades da cantoria e a arte do repente para desenvolver diversas capacidades cognitivas e artísticas nas crianças.
2- Criar o primeiro núcleo da EscolaExperimental de Repentistas de Abaiara como uma experiência de educação musical, e integrá-la à rede de escolas da Cátedra Experimental de Poesia Improvisada.
A pesquisa está estruturada da seguinte forma:
Capítulo I, onde tentarei expor o trajeto da Cantoria, seu surgimento, principais estilos, alguns cantadores e como se desenvolve atualmente, em especial, no município de Abaiara;
Capítulo II, onde será descrito mais detalhadamente a ação pedagógica realizada na Escola de Repentistas de Abaiara;
Resultados e discussões, considerações finais e anexos.
CANTORIA REPENTISTA
A Cantoria Repentista que uns chamam de Peleja, outros de Repente ou ainda de Desafio, surgiu na França, no século XI, através dos trovadores que faziam a alegria dos senhores feudais, enclausurados em seus castelos de guerra. No Brasil, iniciou seu desenvolvimento em meados do século XVII, e teve como berço dessa forma de expressão cultural o Nordeste, sobressaindo-se nos estados de Pernambuco, Paraíba e Ceará. Por isso, dizemos que a cantoria de viola é genuinamente nordestina (Grangeiro, R. C., 2009)
No início, devido à dificuldade de comunicação entre os repentistas, as cantorias eram realizadas apenas por um cantador. Segundo Ernesto Filho, 2013, p.26,
A primeira cantoria realizada com dois cantadores que teve registro na história da arte popular aconteceu em 1870, na Vila de Patos, no Estado da Paraíba, com os repentistas Inácio da Catingueira e Romano do Teixeira, no local denominado Casa do Mercado. Essa cantoria foi toda em tom de desafio e durou uma semana inteira. [...]
A partir daí, apesar das dificuldades de acesso e de comunicação, começou a cantoria a dois, cuja finalidade era o embate para um cantador vencer o outro. [...]
As cantorias duravam a noite inteira, e o cantador vencido emborcava a viola, como gesto de demonstrar à platéia que se considerava derrotado. [...] O cantador vencido não tinha direito ao dinheiro apurado na cantoria, ficando toda a quantia com o vencedor.
Acontecendo dessa maneira, as cantorias eram proveitosas apenas para o repentista vencedor, porque além do dinheiro apurado na noite, ele ganhava a fama de bom cantador, passando a ser cada vez mais solicitado pelos fazendeiros para, juntamente com outro cantador famoso, animar as festas com os desafios, que era o objetivo maior do encontro.
[...] Os temas mais explorados pelos cantadores do passado eram gramática, história sagrada, dicionário, geografia e natureza. As feiras livres, nas cidades do interior, eram os pontos mais costumeiros onde os cantadores se apresentavam espontaneamente e ali se encontravam com os apologistas1da região com quem sempre agendavam datas para a realização de suas cantorias. (Ernesto Filho, 2013, p. 27)
Por muito tempo a Cantoria aconteceu apenas nos terreiros das fazendas ou nos lares mais simples do sertão, sendo uma das formas de lazer muito comum naquele meio. Entretanto, essa arte foi conquistando novos espaços. Atualmente, o trabalho do repentista tem se difundido cada dia mais nos meios de comunicação de massa. Eles têm programa de rádio, televisão e lançam frequentemente CD’s e DVD’s. Além das diversas cantorias que acontecem em todo o país, são produzidos grandes festivais de violeiros e outros eventos que envolvem a Cantoria. Os cantadores estão sempre buscando o conhecimento sobre assuntos variados e um grande número deles é autor de livros e possui formação acadêmica, alguns com mais de uma graduação.
A Cantoria é uma forma de expressão artística remunerada, mas sem salário fixo. Segundo Ernesto Filho, 2013, há vários tipos de cantoria, e os cantadores repentistas recebem de acordo com o evento que estão participando. O referido autor destaca cinco tipos:
A cantoria convencionalé a mais comum e acontece geralmente no campo, onde os poetas se apresentam para as pessoas da redondeza, que durante a noite, especialmente no momento do “elogio”, depositam numa bandeja uma quantia em dinheiro, de acordo com suas condições. Nesse tipo de cantoria muitas vezes o pagamento já é acertado anteriormente pelo dono da residência, para o caso dos cantadores não apurarem muito dinheiro.
A cantoria especialacontece geralmente na comemoração de eventos como batizados, casamentos, renovações, festas de padroeiro, entre outras festividades, e igualmente a cantoria convencional pode ou não ter o seu preço ajustado antes.
A cantoria de compadre “é aquela que, independentemente de convite, o cantador anuncia pelo rádio sua passagem por determinada região e pede para alguém daquela localidade organizar uma apresentação.” (Ernesto Filho, p. 29)
A cantoria de pé de parede “é a rápida apresentação de uma ou mais dupla, geralmente se revezando, que acontece após a realização de festivais, a pedido e escolha dos apologistas que se fizeram presentes no evento maior.” (Ernesto Filho, p.29)
E por último, a cantoria didáticarealizada pela primeira vez em Mauriti, no ano 2003, pelos poetas Zé Fernandes, Pedro Ernesto Filho e Auderi Júnior, onde “a platéia é instruída sobre cada gênero a ser apresentado pelos repentistas e tem como finalidade alcançar um público que não convive freqüentemente com a arte dos cantadores.” (Ernesto Filho, p. 29)
Nos festivais, eventos maiores que as cantorias, realizados geralmente na zona urbana, todas as duplas recebem pagamento, variando o valor de acordo com a classificação. Em festivais que não tem mesa julgadora, o pagamento normalmente é feito de acordo com o renome dos cantadores como também à distância percorrida por eles da cidade onde residem ao local do evento. Esses eventos acontecem comumente em uma só noite, onde participam no máximo seis duplas; mas em alguns lugares são produzidos festivais maiores, chamados de congressos de cantadores, que podem durar três noites e contar com a participação de até dezoito duplas. “Festival é, portanto, a cantoria moderna, que sai do ambiente rústico dos sertões para ocupar espaços nos clubes, teatros, ginásios esportivos dos grandes centros. É a fase de urbanização da cantoria.” (p. 30). Os festivais acontecem, na maioria das vezes, por iniciativa de um cantador que reside na cidade, apoiado principalmente pela prefeitura municipal.
No ano de 2010 foi aprovada, no Brasil, uma lei que reconhece a Cantoria como profissão. O projeto foi apresentado pelo senador do Ceará Inácio Arruda, e almeja a aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo. Essa solicitação só é aceita mediante comprovação do exercício da atividade.
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INSTRUMENTO CARACTERÍSTICO
Viola é um instrumento
Do mais sublime valor
A legítima companheira
Do poeta trovador
É o cantador cantando
E a viola tocando
No peito do cantador
(Gilvan Grangeiro)
O instrumento característico dessa manifestação tradicional é a viola caipira, utilizada pelos cantadores em todas as apresentações. Para o músico concertista de viola de dez cordas, Marcus Biancardini:
Falar de viola caipira é falar de um dos instrumentos mais fortes da cultura brasileira. A viola caipira é, sem sombra de dúvida, senão o mais importante, um dos mais populares instrumentos da cultura brasileira, sobretudo nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Isto sem esquecer o Nordeste, região onde a viola caipira, chamada de viola nordestina ou viola sertaneja, apresenta algumas variantes. Vale observar ainda que a mesma viola caipira pode ser conhecida como viola cabocla, viola sertaneja, viola de arame, viola de feira ou ainda viola de pinho.
A viola caipira possui dez cordas, dispostas em cinco pares, sendo os dois pares mais agudos e afinados na mesma nota e mesma oitava, enquanto os demais pares são afinados na mesma nota, com diferença de alturas de uma oitava. Estes pares de cordas são tocados sempre juntos, como se fossem uma só corda. De acordo com Marcus Biancardini
A origem da viola caipira remonta aos séculos XV, XVI e XVII, quando teve presença marcante em Portugal. Foi com os colonizadores e jesuítas portugueses, no Século XVI, que a viola chegou ao Brasil como o nome de vihuela, utilizada pra acompanhar canções e pequenos solos. Entre nós foi assumindo novas características, que iam desde o seu formato até suas afinações.
O luthier Antônio de Pádua Gomide relata que a viola caipira já existia antes do surgimento do violão e que o uso dos cinco pares de cordas se difundiu bastante em instrumentos do período renascentista.
No Brasil, a viola de dez cordas fincou raízes profundas na cultura popular, de norte a sul. [...] foi usada também pelos padres Jesuítas como auxílio no processo de catequização dos índios. Este instrumento bem cedo fixou suas marcas no interior do país, contribuindo para assegurar formas de expressão artístico-culturais genuinamente nacionais. (Gomide, sem data)
Segundo Gilvan, em entrevista concedida no dia 17 de agosto de 2013 “a viola tem a função de dar sonoridade e ritmo à Cantoriae o tom mais utilizado, próprio do gênero, tem a altura de lá maior, mas outros tons são usados em algumas modalidades de cantoria.” Alguns escritos destacam que a viola pode ser afinada de diversas maneiras, sendo o cebolão (E B G# B E), a rio abaixo (G D G B D) e natural (A D G B E), as mais comuns.
Embora a viola seja o principal, existe na história da Cantoria repentistas que utilizavam outros instrumentos de acompanhamento como foi o caso de Inácio da Catingueira que usava o pandeiro e Cego Aderaldo que se acompanhava com a rabeca. Na atualidade, alguns cantadores já ampliaram o conjunto de acompanhamento da cantoria, contado com a participação de acordeonistas e percussionistas para a execução de alguns estilos musicais.
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PRINCIPAIS ESTILOS
A Cantoria Repentista possui vários estilos, sendo alguns preferidos pelo público, e conseqüentemente mais cantados pelos repentistas. A maioria deles surgiu da criatividade dos cantadores, mas existem alguns que foram iniciados por outros grupos da cultura popular, e são utilizados com algumas modificações. Dentre os estilos mais solicitados destaco aqui apenas cinco:
Sextilha, criada pelo cantador Silvino Pirauá, que segundo Gilvan Grangeiro “é um estilo de poema muito utilizado pelos poetas da região, onde a estrofe é constituída de seis versos, cada um com sete sílabas poéticas e a última sílaba tônica do verso tem que ser a sétima sílaba.” Na sextilha o segundo verso rima com o quarto e o sexto, enquanto o primeiro, o terceiro e o quinto são soltos, livres.
O Brasil que a gente sonha
Precisa de mais nobreza
Mais hospitais, mais escolas,
Mais indústrias, mais riqueza
Sem a máquina do progresso
Destruir a natureza.
(Gilvan Grangeiro)
Mote é um estilo de Cantoria onde a estrofe é constituída de deis versos e o arremate já é definido sendo sempre a mesma frase. Este final pode ser construído de dois versos, ou simplesmente um. Quando é constituído de duas linhas o cantador improvisa apenas oito, e quando possui uma, improvisa as outras nove. Na atualidade alguns motes já se tornaram modalidades, mas para isto “é necessário ter tom de desafio, ser preferencialmente expresso na primeira pessoa do singular e ser rico de rima, metrificação e poesia” (p. 58) O mote pode ser decassílabo ou sete sílabas.
OMote sete sílabas, como o próprio nome demonstra, possui sete sílabas poéticas em cada verso.
Amo Antônio Conselheiro
Homem forte, corajoso
Meu líder religioso
O padre do Juazeiro
Gonzagão meu sanfoneiro
Que se tornou imortal
E pra manobrar o punhal
O capit&atil