"Uno de los mejores narradores cubanos de la hora presente"
(Juan Bonilla)

Del Blog de Díaz-Pimienta

oct
18

YA SESIONA EN BRASIL LA PRIMERA ESCUELA DE REPENTISMO CON EL MÉTODO PIMIENTA

Publicado por Alexis Díaz Pimienta el 18 octubre 2014 a las 8:26 pm

Aunque está escrito íntegramente en portugués, y dada su importancia y trascendencia, Proyecto ORALITURA publica esta vez el trabajo de fin de curso para obtener la Licenciatura en Música en la Universidad Federal de Cariri, en el Estado de Abaiara, en Brasil, trabajo con el que la joven maestra e investigadora brasileña Maria Isabel Caldas Grangeiro obtuvo su titulación e inauguró la primera escuela de repentismo que sesiona en Brasil, utilizando el "Método Pimienta", inspirado en el trabajo que durante más de una década hemos venido haciendo en Cuba y otras partes del mundo. La Escuela de Cantoria repentista de Brasil nace, de este modo, hermanada con la Cátedra Internacional de Poesía Improvisada de la Universidad de las Artes de La Habana, Cuba.
Desde proyecto ORALITURA felicitamos a Maria Isabel Caldas Grangeiro, así como a su tutora y orientadora, la doctora Carmen María Saaenz Coopat, quien ha hecho posible este vínculo cultural y académico entre Brasil y Cuba.
Publicamos, entonces, íntegramente, el trabajo de graduación de Maria Isabel Caldas Grangeiro. Y ojalá este sea el primer caso, pero que hermanamientos de este tipo y colaboraciones a nivel académico surjan y florezcan en otros lares de América. 


Isabel Maria Caldas Grangeiro.hija del gran repentista brasileñoGilvan Grangeiro

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI -
UFCA CURSO DE MÚSICA LICENCIATURA



MARIA ISABEL CALDAS GRANGEIRO



"CANTORIA REPENTISTA COMO FERRAMENTA DE EDUCAÇÃO MUSICAL: ESCOLA EXPERIMENTAL DE REPENTISTAS DE ABAIARA"


Trabalho de Conclusão do Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Cariri, como requisito parcial à obtenção do título de Graduação em Música.
Área de concentração: Artes/Música.
Orientadora: Profª. Dra. Carmen Maria Saenz Coopat  




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BANCA EXAMINADORA
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Profª.  Dra. Carmen Maria Saenz Coopat (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Prof.  Me. Márcio Mattos Aragão Madeira
Universidade Federal do Cariri (UFCA)
_________________________________________
Prof. Dr. Cleyton Vieira Fernandes
Universidade Federal do Cariri (UFCA)
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Profª. Dra. Francisca Pereira dos Santos
Universidade Federal do Cariri (UFCA)


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DEDICATÓRIA





Dedico este meu trabalho
Aos poetas cantadores
Que trazem na sua arte
Saberes encantadores
Com copiosa maestria
Por meio da poesia
São também educadores

(Isabel Grangeiro)




AGRADECIMENTOS


Aos meus pais Gilvan Grangeiro e Raimunda Caldas pelo exemplo de vida, pelo amor sincero que me dedicam e pelos conselhos tão sábios. Por serem pais presentes que me ajudam ser uma pessoa melhor a cada dia. Pelo incentivo e por cumprirem de maneira tão linda a missão que lhes foi confiada por Deus.
Aos meus amados irmãos Ismael e Emanuel pela amizade e companheirismo, e aos demais familiares pelo apoio.

Ao meu namorado e amigo Emanuel Bezerra pela paciência e companheirismo.
Ao maestro Paulo Fabiano da Banda de Música Paroquial Imaculado Coração de Maria da cidade de Abaiara, que foi o responsável pelo meu primeiro contato formal com a Música.

Aos professores Robson Almeida, Marco Antônio, Isaura Rute, Cláudio Mappa, Ítalo Rômulo, Weber dos Anjos, Cleyton Fernandes, Goretti Herculano, Josimeire Medeiros, Fanka Santos, Izaíra Silvino e Ivânio Azevedo pelas valiosas lições ensinadas e por contribuem para o meu crescimento profissional e pessoal.
À professora Carmen Coopat pela amizade e o responsável trabalho de orientação que me dedicou.

Ao professor Márcio Mattos, pelo trabalho que realizou como tutor do PET Música, pela amizade e incentivo durante todo o meu processo de formação.

Aos amigos da faculdade, que aos poucos se tornaram uma segunda família e me fizeram vivenciar momentos e experiências únicas.

À UFCA e ao PET/SESU/SECAD que incentivaram o meu desenvolvimento no meio acadêmico.

À E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra, pelo acolhimento, em especial à tia Lu pela ajuda, e à turma do 4° ano pela disposição.

Ao repentista Alexis Diaz-Pimenta que contribuiu bastante para o desenvolvimento da pesquisa.

E finalmente a Deus por me cercar de tantas pessoas maravilhosas. Pelas alegrias que pude vivenciar através da Música e pela oportunidade de compartilhar este dom com todos os meus
amigos e mestres.

RESUMO:Este trabalho apresenta uma pesquisa ainda em andamento, que busca uma aproximação entre Cultura Popular e Educação Básica, por meio da Cantoria Repentista, manifestação musical e literária muito presente no Brasil, em especial na região Nordeste. A intenção é realizar uma atividade voltada para o ensino dos aspectos da Cantoria, com o intuito de desenvolver potencialidades poéticas em crianças visando ainda à possibilidade de criar o primeiro núcleo da Escola Experimental de Repentistas de Abaiara. A atividade é inspirada no “Método Pimenta”, desenvolvido em Cuba, México e Espanha pelo repentista Alexis Diaz-Pimenta e é realizada em Abaiara, com o auxílio do poeta repentista Gilvan Grangeiro na turma do 4° ano da E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra.

Palavras–chaves:Cantoria Repentista; Educação Musical; Escola Experimental de Repentistas de Abaiara


RESUMEN: Este trabajo presenta una investigación aún en proceso, que busca una aproximación entre Cultura Popular y Educación Básica, por medio de la Cantoria Repentista, manifestación musical y literaria muy presente en Brazil, especialmente en la región Noroeste. La intención es realizar una actividad dirigida hacia la enseñanza de los fundamentos de la Cantoria, con el propósito de desarrollar las potencialidades poéticas en los niños y más aún con el objetivo de crear el primer núcleo de la Escuela Experimental de Repentistas de Abaiara. La actividad está inspirada en el “Método Pimienta”, desarrollado en Cuba, México y España por el repentista Alexis Díaz Pimienta y está siendo realizada en Abaiara, con la ayuda de el poeta repentista Gilvan Grangeiro en el grupo de 4to. Año de la E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra.

Palavras clave: Cantoria Repentista; Educação Musical; Escuela Experimental de Repentistas de Abaiara

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CCBNB– Centro Cultural Banco do Nordeste
CREDE – Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação
EDUCAMUS – Encontro de Educação Musical
E.E.I.F. Cel. Humberto Bezerra – Escola de Ensino Infantil e Fundamental Coronel Humberto Bezerra
PET – Programa de Educação Tutorial
SESC – Serviço Social do Comércio
SIBE – Sociedad Ibérica de Etnomusicologia
UFCA – Universidade Federal do Cariri


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SUMÁRIO


INTRODUÇÃO
Justificativa e Objetivos

1. BREVE HISTÓRICO DA CANTORIA
1. 1 Instrumento Característico
1. 2 Principais Estilos
1. 3. Cantoria em Abaiara
1. 4. Obrigado meu Deus Porque me Fez Sertanejo, Poeta e Sonhador.

2. ESCOLA DE REPENTISTAS DE ABAIARA
2.1. Descrição do Processo

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

ANEXOS



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CANTORIA REPENTISTA COMO FERRAMENTA DE EDUCAÇÃO MUSICAL: ESCOLA EXPERIMENTAL DE REPENTISTAS DE ABAIARA
O trabalho que faço é o retrato
De um Nordeste que Deus fez progredir
Humorista fazendo o povo rir
O vaqueiro pegando o boi no mato
Mostra o Mestre Galdino lá no Crato
Dando vida a tudo quanto cria
Patativa escrevendo poesia
E Gonzagão arrastando a concertina
Divulgando a cultura nordestina
Atravesso fronteiras todo dia.
(Gilvan Grangeiro)
INTRODUÇÃO

Conhecida por sua rica diversidade de manifestações culturais tradicionais, a região Nordeste do Brasil é formada por nove estados, entre eles o Ceará, do qual destaco a região do Cariri, composta por alguns municípios do sul do Estado. O Cariri é considerado um caldeirão de cultura, pela mescla e diversidade cultural que abriga, principalmente na música, sendo este um dos motivos que tem feito da região um espaço de muitas investigações nas áreas de Educação Musical e Etnomusicologia.
A Cantoria Repentista, o Reisado, a Dança do Coco, os Penitentes, as Bandas Cabaçais, as Lapinhas, os Rabequeiros, os Sanfoneiros, os Violeiros entre outros são agrupamentos musicais e artistas tradicionais característicos e muito presentes na região. Na maioria das vezes, o conhecimento que os participantes destas manifestações têm, para a manutenção da tradição, lhes foi transmitido informalmente, por meio da oralidade.
A diversidade cultural da Região do Cariri Cearense é ímpar, complexa e de alto teor expressivo, comunicador da capacidade inteligente do homem e da mulher desta Região, da capacidade expressiva e do imaginário desse homem e dessa mulher, através de fatos, obras e objetos de significados estéticos tão próprios de si, que se particularizaram como identificadores do pensamento cultural regional. (ALBUQUERQUE, 2009, p.5)
O Curso de Música da Universidade Federal do Cariri tem como uma de suas propostas a valorização da cultura local, incentivando a aproximação dos acadêmicos com a comunidade, como forma de despertar seu interesse por investigar a respeito da produção cultural e artística da região, a partir do contato com as manifestações tradicionais da comunidade, não se apropriando e nem interferindo de maneira invasiva em seu fazer musical, mas de forma a promover uma interação entre os diferentes saberes (popular e acadêmico), por acreditar que essa aproximação é saudável, já que pode contribuir para a formação do educador musical.

A formação do profissional cujo perfil é aquele onde a criatividade e o reconhecimento de seu ambiente cultural, assim como a consciência das possibilidades da música como elemento essencial de comunicação e de expressão são as principais características, é o que tentamos permitir através desta proposta (ALBUQUERQUE, 2009: 32,33).
Seguindo a proposta do Curso, entendo que essa aproximação pode também contribuir de forma significativa para a Educação Musical a ser desenvolvida nos ambientes escolares do Ensino Básico no Brasil. Tendo em vista que esse contato é relevante para a formação do indivíduo, acredito na importância da inserção da cultura popular no currículo escolar, visando uma maior proximidade entre a escola e a cultura presente na região.
Com base nesse pensamento inicio esta investigação a partir dos seguintes questionamentos: Como articular tradição com o ensino formal na escola, no ensino básico? Como aproveitar o conhecimento que os alunos adquirem fora da escola, e introduzi-lo junto às práticas pedagógicas? Busco respostas para tais questionamentos por meio de um trabalho que estou realizando – e que será descrito abaixo - a partir dos aspectos da Cantoria Repentista.
Essa forma de expressão musical surgiu na França em meados do século XI, e na atualidade se faz muito presente na região Nordeste do Brasil. É a tradicional apresentação entre dois poetas populares, que debatem sobre diversos temas de acordo com o momento ou gosto do público presente. Esse gênero musical e literário caracteriza-se pela arte da improvisação em versos acompanhados ao som da viola caipira - instrumento musical característico dessa manifestação cultural. Para Ramalho, 2000, p. 90, a Cantoria é
[...] um ‘gênero poético-musical’ originário do Nordeste e veiculado pelos poetas cantadores. Esses intérpretes dos sentimentos de sua gente contam, cantando ao seu público, tanto os eventos do mundo real em que vivem como as fantasias que povoam sua imaginação, dentro de determinados padrões de versificação imbricados a uma linha melódica.
Embora não seja esse o foco da pesquisa, considero importante ressaltar, que no Brasil existem outras formas musicais que também tem como base a arte da improvisação, como é o caso da embolada e do coco, e estes utilizam como principal instrumento de acompanhamentoo pandeiro e/ou o ganzá.
Interesso-me por pesquisar este tema porque nasci num meio cultural onde a Cantoria sempre esteve presente. Cresci em uma família que muito valoriza esta arte, e de onde surgiram grandes nomes da poesia cantada, como Pedro Bandeira, João Bandeira, Sílvio Grangeiro e Gilvan Grangeiro.
Sendo filha do poeta repentista Gilvan Grangeiro, vivencio este contato desde a infância, primeiramente em casa, e depois através da participação em cantorias e festivais. Recordo-me que antes de ingressar na universidade, ainda que acompanhasse muitos eventos relacionados à Cantoria e talvez por conviver tanto com aquela realidade, não atentava para a real importância desse fazer musical e para o quanto aprendia com este convívio. Adquiria, mesmo que inconscientemente, conhecimentos que davam subsídios à minha formação musical e também cultural, resultando posteriormente no meu interesse pela música, embora não diretamente pela Cantoria, e incentivando-me a buscar um conhecimento mais aprofundado nessa área, o que culminou no meu ingresso na Universidade.
Nesse momento tive a oportunidade de vivenciar a disciplina de Cultura e Antropologia, onde as professoras Izaíra Silvino e Fanka Santos nos despertavam para a importância de olharmos com mais afeto para a ‘gente semente’ do Cariri cearense que a partir da construção de diferentes saberes constroem também uma cultura com uma identidade que é nossa. O livro Esmiuçando Saberes de Gente Semente, 2011, descreve a trajetória da disciplina e demonstra que este despertar fazia parte dos princípios que a norteavam, quando fala a respeito da importância do Cariri Cearense “que foi foco de nossos olhares” (p. 24) e do programa da disciplina “que encaminhava para a questão de cultura e antropologia musical, onde o conceito ‘gente semente’, foi buscado como construção cotidiana durante o processo de aquisição e composição de conhecimento” (p. 24).
Lembro que em uma das aulas enquanto desfrutávamos da grande sabedoria do poeta e repentista Pedro Bandeira, algumas coisas das quais discutíamos já me eram familiar, e foi a partir daí que comecei a despertar para o quanto minha vivência tinha sido importante. Aos poucos pude perceber o valor dessa manifestação para a construção da nossa cultura, e passei a enxergar meu pai, um grande artista da região, como uma importante semente na minha formação.
O meu ingresso na universidade (2010) e a participação como bolsista do PET– Programa de Educação Tutorial (2011-2013), que compartilha da mesma proposta do Curso, tem proporcionado uma aproximação da UFCA com o poeta Gilvan Grangeiro, que já se apresentou fazendo a abertura de alguns eventos na instituição, como foi o caso do II EDUCAMUS– Encontro de Educação Musical, promovido pelo PET e professores do Curso de Música, em novembro de 2011. O evento teve como principal objetivo a discussão de assuntos que envolvessem a Educação Musical, procurando  também  manter  uma  relação  próxima  a  outra  grande  área  da  música,  a Etnomusicologia. Aproveitando a possibilidade de aproximação entre ambas as áreas, o tema  do  evento  buscava  desenvolver  ainda  mais  as  discussões  sobre  “Educação, Identidade e Patrimônio Musical”. 
Foram  convidados  para  participar  do  evento  alguns  grupos  de  cultura popular  da região  como:  O Coco Frei Damião  (grupo  de coco formado  somente  por mulheres),  a Orquestra  Armorial  do Cariri  (grupo que se utiliza da rabeca e de outros instrumentos  populares,  como  pífanos  e  zabumbas  na  intenção  de  desenvolver  uma nova  maneira  do  fazer  musical  na  região);  o luthier  Chico  do  Canolino  (que  constrói instrumentos  de  cordas)  e  o  repentista  Gilvan  Grangeiro  que, como já foi dito,  participou  fazendo  a abertura do evento.
Outro momento onde pudemos vivenciar essa experiência de nos aproximarmos de manifestações  musicais  populares  foi  com  o  Grupo  Retalhos  e  Fuxicos, formado  com  os  integrantes  do  PET,  que  em  2012  desenvolveu  um  trabalho em homenagem ao músico e compositor Luiz Gonzaga, utilizando um repertório formado a partir das composições  do  artista  e  da  realidade  musical  do  Cariri.  O  espetáculo  foi apresentado em uma série de eventos motivados pelo centenário de seu nascimento e Gilvan Grangeiro esteve presente em todas as apresentações do grupo na sua poesia O Nordeste comemora cem anos de Gonzagão que se tornou abertura do espetáculo Numa Sala de Reboco.

[...]
Aquele bom sanfoneiro
Cantou a cintura fina,
O cheiro de Carolina,
E a morte do vaqueiro,
Asa Branca, Boiadeiro,
O jumento nosso irmão
E triste partida a canção
Do pobre que foi embora
O Nordeste comemora
Cem anos de Gonzagão
[...]

Na apresentação do dia 13 de dezembro de 2012, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) o poeta abrilhantou a abertura do show cantando os versos outrora lidos, encantando-nos ainda com outro poema escrito especialmente para o grupo, que ele carinhosamente define como “um pássaro no chão do Cariri, que divulgando a cultura nordestina atravessa fronteiras todo dia”.

O trabalho que faço é o retrato
De um Nordeste que Deus fez progredir
Humorista fazendo o povo rir
O vaqueiro pegando o boi no mato.
Mostra o mestre Galdino lá no Crato
Dando vida a tudo quanto cria
Patativa escrevendo poesia
E Gonzagão arrastando a concertina.
Divulgando a cultura nordestina
atravesso fronteiras todo dia.

Sou um pássaro do chão do Cariri
Meu prazer é cantar de mundo afora
Juazeiro, Barbalha, Crato, Aurora
Brejo Santo, Abaiara e Mauriti.
Mas também já cheguei até Madri
Lá em Cáceres cantei com alegria
Tô chegando na Rússia, na Turquia 
Nos Estados Unidos e na China.
Divulgando a cultura nordestina
atravesso fronteiras todo dia.

Gilvan também participou no dia 21 de novembro de 2013 da abertura do lançamento do livro Conexões de Saberes Musicais, publicado pelo PET do Curso de Música. O livro relata as ações que o grupo desenvolveu durante os últimos três anos, e o poeta cantou sobre os assuntos contidos no livro, participando ainda do encerramento do evento, onde relembrou os versos cantados no CCBNB, abrilhantando novamente a apresentação do Retalhos e Fuxicos.

O PET Música marchou
De encontro às comunidades
E para elas levou
Brilhantes atividades
Com muitos ensinamentos
Sobre vários instrumentos
Ritmos e técnicas vocais
Eu li sobre essas ações
No livro Conexões
De Saberes Musicais

O convívio familiar e as experiências vivenciadas na universidade me possibilitaram um estudo mais amplo sobre o tema podendo contribuir para a preservação e divulgação dessa cultura, e fomentar, mesmo que indiretamente, a manutenção de uma tradição musical muito importante e que, apesar de não ser cultura de massa, se mantém forte por ser popular e carregada de saberes e sentimentos.

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

Na busca por desenvolver uma ação prática que pudesse embasar esta pesquisa – já que além da pesquisa a disciplina Trabalho de Conclusão de Curso –TCC- exige uma ação pedagógica - entrei em contato, através da professora Carmen Maria, orientadora deste trabalho, com a experiência de Alexis Diaz-Pimenta, repentista cubano que desenvolve em Cuba, no México, e na Espanha um trabalho destinado ao ensino de repentes.
O “Método Pimenta”, nome que faz referência ao sobrenome do seu fundador, surgiu em 1988, quando Alexis Diaz-Pimenta inicia uma pesquisa sobre as práticas da poesia improvisada em Cuba e na América Latina, para a construção do seu livro Teoria da Improvisação. O fato de ele ter começado a improvisar aos cinco anos lhe incentivava a construir fórmulas que facilitassem o ensino dos repentes para as crianças, principalmente por meio da utilização de jogos poéticos.
Considerando que seu pai também era repentista, indagou-se a respeito de quais métodos ele utilizou para ensiná-lo a improvisar e na busca por essa resposta iniciou com seu filho uma experiência que muito cedo surtiu resultados. A partir dessa e de outras vivências percebeu-se que as crianças ficam fascinadas pela arte de criar versos e que é possível ensinar a improvisar a partir do zero; que mesmo sem conviver com a tradição pode-se desenvolver essa potencialidade e que a prática da improvisação facilita o desenvolvimento de habilidades intelectuais da criança.
Após conhecer previamente o método utilizado por Alexis Diaz-Pimenta e considerando também a minha vivência surge a vontade de desenvolver uma primeira experiência voltada para o estudo da Cantoria, a partir da utilização de seus principais aspectos como o ritmo, a métrica, as rimas, o uso da improvisação, além da discussão de diversos temas do cotidiano, através da poesia cantada, de maneira a instigar à criatividade dos alunos.
Com base nesse método e na filosofia do educador musical Suzuki que afirma quetoda criança pode alcançar altas capacidades se for exposta a um método educacional adequado” (1994, p.11), inicio a pesquisa partindo do princípio de que toda criança tem também a potencialidade de se expressar ou de se comunicar através de versos cantados, especialmente as que convivem direta ou indiretamente com a arte do repente e tento com a atividade identificar habilidades poéticas dentro da escola e despertar nos alunos e professores o interesse pela cultura popular, que muitas vezes não é valorizada.

A educação musical contemporânea demanda a construção de novas práticas que dêem conta da diversidade de experiências musicais que as pessoas estão vivenciando na sociedade atual. Assim, transitar entre o escolar e o extraescolar, o “formal” e o “informal”, o cotidiano e o institucional, torna-se um exercício de ruptura com modelos arraigados que teimam em manter separadas esferas que na experiência vivida dialogam. (ARROYO, 2000, p. 89, apud. WILLE)
Pensando onde realizar meu estudo, lembrei-me primeiramente da E.E.I.F. Cel Humberto Bezerra, localizada na Vila São José, distrito de Abaiara, escolhida porque foi onde vivi minhas primeiras experiências escolares. Além disso, existe uma ligação familiar com algumas funcionárias da escola, sendo uma delas minha tia, a professora Luciana Caldas, que coordena a sala do 4º ano da escola e colabora com a pesquisa me disponibilizando sua turma. Na Vila São José reside o poeta Gilvan Grangeiro, protagonista dessa história, que também está me auxiliando na ação, sendo peça fundamental nesse processo.
Abaiara é um município localizado no interior do Sertão do Cariri Oriental, sul do Estado do Ceará. Ocupa uma área de 182,6 Km² e faz fronteira a Leste e Norte com o município de Milagres, ao Sul com Brejo Santo, e a Oeste com Missão Velha. Emancipada em 25 de Novembro de 1957, possui atualmente cerca de 12.000 (doze mil) habitantes, e sustenta sua economia, especialmente, através da agricultura e do comércio. É uma cidade rica no que diz respeito à cultura, integrando muitos grupos, como banda de pífano, reisados, banda de música, grupo de penitentes, quadrilhas e os cantadores.
Diante dessa realidade considero a iniciativa importante porque é uma forma de incentivo à interação entre cultura e escola, e, além disso, privilegia a lei 11769, que torna obrigatório, o ensino da música na Educação Básica das escolas públicas e privadas do Brasil. Embora a música esteja integrada à disciplina de Arte, podendo ser trabalhada juntamente com as demais linguagens artísticas, com a aprovação dessa lei, surge a necessidade de novas possibilidade metodológicas que possam ser utilizados em sala de aula.
Uma maneira de buscar uma maior relação com a vida dos alunos é considerar a cultura que faz parte do seu dia-a-dia, sua cultura experiencial. [...] É nesse sentido que, atualmente, existem tendências pedagógico-musicais, que se preocupam em contemplar e incluir, no ensino da música, a diversidade musical presente na vida dos alunos. (WOLFFENBÜTTEL, 2004; 10, 11)
A Cantoria é um gênero rico em muitos aspectos. Através dela pode-se trabalhar a gramática, a concentração, a criatividade, a dicção, a técnica vocal, a improvisação, e ainda a interdisciplinaridade, visto que pode abranger assuntos como a natureza, os sentimentos, fatos ocorridos ou não, lugares, e ainda temas de humor ou da atualidade, como política e religião, que podem ser ligados às diferentes disciplinas. A Cantoria Repentista não é relevante apenas por suas especificidades e características musicais, mas também porque aborda temas significativos, intrínsecos a toda a sociedade.
Para a realização deste trabalho proponho os objetivos a seguir;

OBJETIVO GERAL

Desenvolver num grupo de crianças as potencialidades de expressão e comunicação, verbal e musical de forma sistematizada através da arte popular do repente.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1-Analisar as potencialidades da cantoria e a arte do repente para desenvolver diversas capacidades cognitivas e artísticas nas crianças.
2- Criar o primeiro núcleo da EscolaExperimental de Repentistas de Abaiara como uma experiência de educação musical, e integrá-la à rede de escolas da Cátedra Experimental de Poesia Improvisada.
A pesquisa está estruturada da seguinte forma:
Capítulo I, onde tentarei expor o trajeto da Cantoria, seu surgimento, principais estilos, alguns cantadores e como se desenvolve atualmente, em especial, no município de Abaiara;
Capítulo II, onde será descrito mais detalhadamente a ação pedagógica realizada na Escola de Repentistas de Abaiara;
Resultados e discussões, considerações finais e anexos.


CANTORIA REPENTISTA

A Cantoria Repentista que uns chamam de Peleja, outros de Repente ou ainda de Desafio, surgiu na França, no século XI, através dos trovadores que faziam a alegria dos senhores feudais, enclausurados em seus castelos de guerra. No Brasil, iniciou seu desenvolvimento em meados do século XVII, e teve como berço dessa forma de expressão cultural o Nordeste, sobressaindo-se nos estados de Pernambuco, Paraíba e Ceará. Por isso, dizemos que a cantoria de viola é genuinamente nordestina (Grangeiro, R. C., 2009)
No início, devido à dificuldade de comunicação entre os repentistas, as cantorias eram realizadas apenas por um cantador. Segundo Ernesto Filho, 2013, p.26,

A primeira cantoria realizada com dois cantadores que teve registro na história da arte popular aconteceu em 1870, na Vila de Patos, no Estado da Paraíba, com os repentistas Inácio da Catingueira e Romano do Teixeira, no local denominado Casa do Mercado. Essa cantoria foi toda em tom de desafio e durou uma semana inteira. [...]
A partir daí, apesar das dificuldades de acesso e de comunicação, começou a cantoria a dois, cuja finalidade era o embate para um cantador vencer o outro. [...]
As cantorias duravam a noite inteira, e o cantador vencido emborcava a viola, como gesto de demonstrar à platéia que se considerava derrotado. [...] O cantador vencido não tinha direito ao dinheiro apurado na cantoria, ficando toda a quantia com o vencedor.

Acontecendo dessa maneira, as cantorias eram proveitosas apenas para o repentista vencedor, porque além do dinheiro apurado na noite, ele ganhava a fama de bom cantador, passando a ser cada vez mais solicitado pelos fazendeiros para, juntamente com outro cantador famoso, animar as festas com os desafios, que era o objetivo maior do encontro.

[...] Os temas mais explorados pelos cantadores do passado eram gramática, história sagrada, dicionário, geografia e natureza. As feiras livres, nas cidades do interior, eram os pontos mais costumeiros onde os cantadores se apresentavam espontaneamente e ali se encontravam com os apologistas1da região com quem sempre agendavam datas para a realização de suas cantorias. (Ernesto Filho, 2013, p. 27)

Por muito tempo a Cantoria aconteceu apenas nos terreiros das fazendas ou nos lares mais simples do sertão, sendo uma das formas de lazer muito comum naquele meio. Entretanto, essa arte foi conquistando novos espaços. Atualmente, o trabalho do repentista tem se difundido cada dia mais nos meios de comunicação de massa. Eles têm programa de rádio, televisão e lançam frequentemente CD’s e DVD’s. Além das diversas cantorias que acontecem em todo o país, são produzidos grandes festivais de violeiros e outros eventos que envolvem a Cantoria. Os cantadores estão sempre buscando o conhecimento sobre assuntos variados e um grande número deles é autor de livros e possui formação acadêmica, alguns com mais de uma graduação.
A Cantoria é uma forma de expressão artística remunerada, mas sem salário fixo. Segundo Ernesto Filho, 2013, há vários tipos de cantoria, e os cantadores repentistas recebem de acordo com o evento que estão participando. O referido autor destaca cinco tipos:
A cantoria convencionalé a mais comum e acontece geralmente no campo, onde os poetas se apresentam para as pessoas da redondeza, que durante a noite, especialmente no momento do “elogio”, depositam numa bandeja uma quantia em dinheiro, de acordo com suas condições. Nesse tipo de cantoria muitas vezes o pagamento já é acertado anteriormente pelo dono da residência, para o caso dos cantadores não apurarem muito dinheiro.
A cantoria especialacontece geralmente na comemoração de eventos como batizados, casamentos, renovações, festas de padroeiro, entre outras festividades, e igualmente a cantoria convencional pode ou não ter o seu preço ajustado antes.
A cantoria de compadre “é aquela que, independentemente de convite, o cantador anuncia pelo rádio sua passagem por determinada região e pede para alguém daquela localidade organizar uma apresentação.” (Ernesto Filho, p. 29)
A cantoria de pé de parede “é a rápida apresentação de uma ou mais dupla, geralmente se revezando, que acontece após a realização de festivais, a pedido e escolha dos apologistas que se fizeram presentes no evento maior.” (Ernesto Filho, p.29)
E por último, a cantoria didáticarealizada pela primeira vez em Mauriti, no ano 2003, pelos poetas Zé Fernandes, Pedro Ernesto Filho e Auderi Júnior, onde “a platéia é instruída sobre cada gênero a ser apresentado pelos repentistas e tem como finalidade alcançar um público que não convive freqüentemente com a arte dos cantadores.” (Ernesto Filho, p. 29)
Nos festivais, eventos maiores que as cantorias, realizados geralmente na zona urbana, todas as duplas recebem pagamento, variando o valor de acordo com a classificação. Em festivais que não tem mesa julgadora, o pagamento normalmente é feito de acordo com o renome dos cantadores como também à distância percorrida por eles da cidade onde residem ao local do evento. Esses eventos acontecem comumente em uma só noite, onde participam no máximo seis duplas; mas em alguns lugares são produzidos festivais maiores, chamados de congressos de cantadores, que podem durar três noites e contar com a participação de até dezoito duplas. “Festival é, portanto, a cantoria moderna, que sai do ambiente rústico dos sertões para ocupar espaços nos clubes, teatros, ginásios esportivos dos grandes centros. É a fase de urbanização da cantoria.” (p. 30). Os festivais acontecem, na maioria das vezes, por iniciativa de um cantador que reside na cidade, apoiado principalmente pela prefeitura municipal.
No ano de 2010 foi aprovada, no Brasil, uma lei que reconhece a Cantoria como profissão. O projeto foi apresentado pelo senador do Ceará Inácio Arruda, e almeja a aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo. Essa solicitação só é aceita mediante comprovação do exercício da atividade.

  1. INSTRUMENTO CARACTERÍSTICO

Viola é um instrumento
Do mais sublime valor
A legítima companheira
Do poeta trovador
É o cantador cantando
E a viola tocando
No peito do cantador
(Gilvan Grangeiro)

O instrumento característico dessa manifestação tradicional é a viola caipira, utilizada pelos cantadores em todas as apresentações. Para o músico concertista de viola de dez cordas, Marcus Biancardini:

Falar de viola caipira é falar de um dos instrumentos mais fortes da cultura brasileira. A viola caipira é, sem sombra de dúvida, senão o mais importante, um dos mais populares instrumentos da cultura brasileira, sobretudo nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Isto sem esquecer o Nordeste, região onde a viola caipira, chamada de viola nordestina ou viola sertaneja, apresenta algumas variantes. Vale observar ainda que a mesma viola caipira pode ser conhecida como viola cabocla, viola sertaneja, viola de arame, viola de feira ou ainda viola de pinho.

A viola caipira possui dez cordas, dispostas em cinco pares, sendo os dois pares mais agudos e afinados na mesma nota e mesma oitava, enquanto os demais pares são afinados na mesma nota, com diferença de alturas de uma oitava. Estes pares de cordas são tocados sempre juntos, como se fossem uma só corda. De acordo com Marcus Biancardini

A origem da viola caipira remonta aos séculos XV, XVI e XVII, quando teve presença marcante em Portugal. Foi com os colonizadores e jesuítas portugueses, no Século XVI, que a viola chegou ao Brasil como o nome de vihuela, utilizada pra acompanhar canções e pequenos solos. Entre nós foi assumindo novas características, que iam desde o seu formato até suas afinações.

O luthier Antônio de Pádua Gomide relata que a viola caipira já existia antes do surgimento do violão e que o uso dos cinco pares de cordas se difundiu bastante em instrumentos do período renascentista.

No Brasil, a viola de dez cordas fincou raízes profundas na cultura popular, de norte a sul. [...] foi usada também pelos padres Jesuítas como auxílio no processo de catequização dos índios. Este instrumento bem cedo fixou suas marcas no interior do país, contribuindo para assegurar formas de expressão artístico-culturais genuinamente nacionais. (Gomide, sem data)

Segundo Gilvan, em entrevista concedida no dia 17 de agosto de 2013 “a viola tem a função de dar sonoridade e ritmo à Cantoriae o tom mais utilizado, próprio do gênero, tem a altura de lá maior, mas outros tons são usados em algumas modalidades de cantoria.” Alguns escritos destacam que a viola pode ser afinada de diversas maneiras, sendo o cebolão (E B G# B E), a rio abaixo (G D G B D) e natural (A D G B E), as mais comuns.
Embora a viola seja o principal, existe na história da Cantoria repentistas que utilizavam outros instrumentos de acompanhamento como foi o caso de Inácio da Catingueira que usava o pandeiro e Cego Aderaldo que se acompanhava com a rabeca. Na atualidade, alguns cantadores já ampliaram o conjunto de acompanhamento da cantoria, contado com a participação de acordeonistas e percussionistas para a execução de alguns estilos musicais.

    1. PRINCIPAIS ESTILOS

A Cantoria Repentista possui vários estilos, sendo alguns preferidos pelo público, e conseqüentemente mais cantados pelos repentistas. A maioria deles surgiu da criatividade dos cantadores, mas existem alguns que foram iniciados por outros grupos da cultura popular, e são utilizados com algumas modificações. Dentre os estilos mais solicitados destaco aqui apenas cinco:
Sextilha, criada pelo cantador Silvino Pirauá, que segundo Gilvan Grangeiro “é um estilo de poema muito utilizado pelos poetas da região, onde a estrofe é constituída de seis versos, cada um com sete sílabas poéticas e a última sílaba tônica do verso tem que ser a sétima sílaba.” Na sextilha o segundo verso rima com o quarto e o sexto, enquanto o primeiro, o terceiro e o quinto são soltos, livres.

O Brasil que a gente sonha
Precisa de mais nobreza
Mais hospitais, mais escolas,
Mais indústrias, mais riqueza
Sem a máquina do progresso
Destruir a natureza.
(Gilvan Grangeiro)

Mote é um estilo de Cantoria onde a estrofe é constituída de deis versos e o arremate já é definido sendo sempre a mesma frase. Este final pode ser construído de dois versos, ou simplesmente um. Quando é constituído de duas linhas o cantador improvisa apenas oito, e quando possui uma, improvisa as outras nove. Na atualidade alguns motes já se tornaram modalidades, mas para isto “é necessário ter tom de desafio, ser preferencialmente expresso na primeira pessoa do singular e ser rico de rima, metrificação e poesia” (p. 58) O mote pode ser decassílabo ou sete sílabas.
OMote sete sílabas, como o próprio nome demonstra, possui sete sílabas poéticas em cada verso.

Amo Antônio Conselheiro
Homem forte, corajoso
Meu líder religioso
O padre do Juazeiro
Gonzagão meu sanfoneiro
Que se tornou imortal
E pra manobrar o punhal
O capitão Virgulino
Este sertão nordestino
É minha terra natal
(Gilvan Grangeiro)
O Mote decassílabo possui dez sílabas poéticas em cada verso

Esta bela viola de madeira
Tem estado comigo a toda hora
Caminhando ao meu lado mundo a fora
Se tornou minha grande companheira
Se é com ela que ganho a minha feira
Se o seu toque me enche de prazer
Quero e tenho o direito de viver
Desfrutando da sua companhia
Eu nasci com o dom da poesia
Quero ser cantador até morrer
(Gilvan Grangeiro)

Sete linhas ou sete pés, criado por Manoel Leopoldino de Mendonça, no início do século XX, como uma adaptação da sextilha. Existem sete linhas em sete sílabas e em decassílabos. O sete sílabas contém na estrofe sete versos cada um com sete sílabas poéticas.

Quem possui amor distante
Não possui felicidade
A recordação no peito
É como uma enfermidade
Que dói, machuca e tortura
E a medicina não cura
A dor cruel da saudade
(Gilvan Grangeiro)

No sete linhas em decassílabo a estrofe é composta por dez versos, cada verso com dez sílabas poéticas.

Como cães farejando ao pé do muro
Seguem eles cumprindo os dias seus
Mortos vivos que vivem como mortos
Inocentes, tão santos quanto ateus
Bebem água de esgoto, comem lixos
São cristãos para Deus, porém são bichos
Pros cristãos que são bichos para Deus
(Gilvan Grangeiro)
Nesse estilo é obrigatório o uso da deixa2.
Martelo agalopado, criado pelo diplomata francês e professor de Literatura da Universidade de Bolonha Pedro Jaime Marcelo, e adaptado por Silvino Pirauá Lima, onde as estrofes são constituídas de dez versos, cada verso com dez sílabas poéticas. O primeiro verso rima com o quarto e o quinto, o segundo com o terceiro, o sexto rima com sétimo e o décimo, e o oitavo com o nono (ABBAACCDDC). Antigamente a estrofe tinha que terminar com a expressão “a galopado”, mas na atualidade pode ter outras terminações.

Tendo a chuva o Sertão é animado
O cupim cria asa e logo voa
Canta o sapo na beira da lagoa
A leitoa revira o chão molhado
O cavalo relincha pelo prado
Recebendo o frescor da brisa mansa
O canário parece uma criança
Tão alegre mostrando os cânticos seus
E a floresta orgulhosa porque Deus
Lhe cobriu com o véu da esperança
(Gilvan Grangeiro)

E Galope à beira-maronde a estrofe é composta de dez versos cada um com onze sílabas poéticas e uso obrigatório da deixa rimando com a nona linha da estrofe anterior, sendo obrigatório também encerrar a estrofe com a palavra mar. A montagem de uma estrofe de Galope à beira-mar é composta da seguinte maneira: a primeira rima com a quarta e a quinta, a segunda rima com a terceira, a sexta e a sétima rimam com a palavra mar que é a terminação, e a oitava rima com a nona. (ABBAACCDDC). Segundo Ernesto Filho, recebe este nome por ser mais empregado em temas praieiros e “foi criado pelo repentista cearense José Pretinho, natural de Morada Nova (há quem diga que ele nasceu no Crato), sendo aprimorado por João Siqueira de Amorim e José Virgulino de Souza (Mergulhão – 1908 – 1939)”

Se você deseja que o bem aconteça
Mas acha que o mundo é caso perdido
Dê a sua vida um novo sentido
Tire o pessimismo da sua cabeça
Sonhe com mudança, jamais se esqueça
Que o mundo só muda se o homem mudar
Se esqueça do ódio se lembre de amar
Procure ser forte, bondoso e direito
Faça sua parte que o mundo tem jeito
Nos dez de galope da beira do mar
Os citados são os preferidos pelo público, mas outros estilos também são cantados nas apresentações.

    1. CANTORIA REPENTISTA EM ABAIARA

Cantoria em Abaiara
Está no sangue da gente
Aconteceu no passado
Acontece no presente
Devido a aceitação
Virou uma tradição
Vai durar eternamente
(Gilvan Grangeiro)

Abaiara é uma cidade privilegiada no que se refere aos aspectos culturais. Fazem parte da cultura da cidade grupos de penitentes e bandas de pífano que estão presentes em quase todos os eventos da cidade em especial os religiosos, como as festas de padroeiros; as quadrilhas animando as festividades juninas; a Banda de Música Paroquial Imaculado Coração de Maria, que se apresenta em eventos municipais e religiosos; a encenação da Paixão de Cristo realizada na Semana Santa por um grupo de jovens da cidade e ainda os cantadores que abrilhantam as festas sociais. Todas essas manifestações populares, com exceção da banda de música, que foi formada recentemente, acontecem há muito tempo na cidade.
A cantoria repentista, foco desta pesquisa, sempre esteve presente na cultura do município. No início teve como principais promoventes Dudé Nonato, na Vila São José, Antônio Domingos, na Serra da Mãozinha, Expedita de Caldas, Don’Ana de Caldas e Chico de Mundosa, meu avô materno, no Sítio Brejinho, João de Caldas e Bio de Caldas, meu avô paterno, no Sítio Ponta D’água, entre outros.
Atualmente podemos destacar alguns dos seus maiores promoventes: Sr. Chico Mundoca, Sítio Ponta D’água, Padre da Serraria, na sede do município, Aluísio de Dudé Nonato, na Vila São José e João Bernardino, no Sítio Livramento.
Segundo Gilvan Grangeiro, em entrevista concedida no dia 17 de agosto de 2013:

A cantoria em Abaiara é uma coisa tradicional e faz parte da vida do povo abaiarense desde muito tempo. Além dos poetas filhos da terra como Isaías Freire, Zé Amâncio, Augusto Cabôclo, Silvio Grangeiro e outros, a cidade sempre recebeu cantadores vindos de outros lugares. O público não é tão grande, mas é de qualidade. A Cantoria é de muita importância para a cultura de Abaiara. É levada às praças, aos clubes, às escolas, residências, etc. Está presente na sede e na zona rural.
Os estilos mais cantados nas cantorias da cidade são sextilhas, mote de sete, mote de dez, martelo agalopado, galope à beira-mar, mourão e sete linhas, e o público sugere principalmente assuntos relacionados à natureza, política, amor, saudade, violência e demais temas da atualidade.
Além das cantorias, a cidade realiza tradicionalmente dois festivais por ano, um no dia três de maio, na Vila São José e o outro no dia vinte e quatro de novembro, na sede do município. O primeiro é organizado pelo repentista Gilvan Grangeiro, e acontece costumeiramente na quadra da E. E. I. F. Coronel Humberto Bezerra, após a celebração da festa da Santa Cruz, tradição iniciada pelos penitentes e continuada pela comunidade sob coordenação do Pe. José Leite Sampaio, mais conhecido como Pe. Duza; o segundo é promovido pelo poeta cordelista Antônio Nonato (Totó de Dudé), durante a semana do município.
Sobre a organização dos festivais, Gilvan Grangeiro explica:

Convidamos os cantadores e num consenso entre o organizador e os poetas, formamos as duplas. Como organizadores, preparamos os temas para todo o festival. Os temas são distribuídos em três estilos: sextilhas, mote de sete e mote de dez. Os estilos são os mesmos para todas as duplas, a diferença está nos assuntos a serem cantados. Cada material é colocado em um envelope. Os envelopes correspondem à quantidade de duplas que irão se apresentar. No desenrolar do evento o apresentador vai chamando uma dupla de cada vez e um componente da dupla tira um envelope onde contém o material a ser desenvolvido de improviso no palco. No festival pode ter mesa julgadora ou não. No caso de ter, é ela quem determina no final qual a classificação de cada dupla. (Entrevista concedida em 17 de Agosto de 2013)

A Cantoria em Abaiara vem ganhando espaço também nas escolas. Os repentistas sempre são convidados em eventos como feiras de ciências, projetos e/ou gincanas.
No dia primeiro de Julho de dois mil e dez Gilvan Grangeiro foi convidado pela E. E. F. M. Belarmino Lins de Medeiros para a apresentação de um projeto desenvolvido pelos alunos e professores da referida escola, com o título “Lajedo de Abaiara: Reconstruindo, Conhecendo e Preservando” que tinha como principais eixos Meio Ambiente, Ciências Humanas e Linguagens e Códigos. Na oportunidade ele ressaltou, por meio de uma poesia, a importância da preservação do patrimônio cultural, como vemos na quinta estrofe

Ali a fauna e a flora
Precisam sobreviver
No Lajedo é natural
Grande mudança ocorrer
Mas só com a nossa ajuda
Isso pode acontecer
(Gilvan Grangeiro)


Posteriormente o projeto foi apresentado na feira regional da CREDE 20, obtendo a 4° colocação entre nove que se inscreveram.
Outro evento que contou com a participação do repentista foi a Gincana Cultural, promovida no dia quatorze de novembro de dois mil e treze na mesma escola, com alunos do ensino Fundamental e Médio, onde as equipes representavam os estado Ceará, Paraíba, Bahia e Pernambuco. Gilvan, em parceria com Cícero André, outro poeta do município, desenvolveu uma sextilha na qual discorriam sobre o Ceará, contribuindo assim para que a equipe que representava o referido estado obtivesse o primeiro lugar na gincana.

Ceará é um estado
Autêntico, forte e guerreiro
Seu solo é abençoado
Seu povo é hospitaleiro
O mesmo está situado
No Nordeste brasileiro
(Gilvan Grangeiro)

Nesses ambientes a Cantoria exerceu sua função social, cultural e educativa, quando tratou de temas referentes à preservação do patrimônio cultural e às riquezas existentes no Ceará.
A Cantoria em Abaiara também se faz presente na rádio local, sendo tema de três programas semanais: Aquarela Sertaneja, por Gilvan Grangeiro, Viola, Verso e Cultura, pelos repentistas Zé Alves e Cícero André e Detalhes da Cantoria, por Totó de Dudé.

    1. OBRIGADO MEU DEUS PORQUE ME FEZ SERTANEJO, POETA 
E SONHADOR.

Como homem, poeta e repentista
Vivo sempre a buscar novos espaços
Já passei pela dor de alguns fracassos
Mas já tive bem mais de uma conquista
Amo a vida sou super otimista
Sou roceiro e também sou trovador
E agradeço demais ao cridor
Por me dar tudo isto de uma vez
Obrigado meu Deus porque me fez
Sertanejo, poeta e sonhador
Gilvan Grangeiro

Natural de Andradina, São Paulo, Gilvan Grangeiro, no segundo ano de vida, foi residir na cidade de Abaiara, Ceará, onde mora atualmente. Cantador, poeta, repentista e  autor  de  dois livros:  “Sertão  e  Poesia”  (1987)  prefaciado  pelo  renomado  poeta cearense  Patativa  do  Assaré;  e  “Nossa  Vida  no  Sertão”  (1997)  prefaciado  por  Pedro Bandeira, poeta repentista, cantador, escritor, advogado e professor, residente na cidade de Juazeiro do 
Norte/Ceará.
Patativa do Assaré referiu­se ao poeta Grangeiro no prólogo de seu livro da seguinte
maneira:
[...]
Tenho sido desde novo
Na minha simplicidade
Sempre um poeta do povo,
De justiça e da verdade
Só digo aquilo que sei
E como jamais serei
Um julgador lisonjeiro,
Com atenção e carinho
Apresento este livrinho
Do moço Gilvan Grangeiro

Espontaneidade rara
Eu vejo em cada poema
Do poeta de Abaiara,
Caririense da gema,
Diz este jovem poeta
Com a sua inteligência,
O quanto sofre a pobreza
Nos trabalhos de emergência
[...]
(Assaré. Prefácio In Grangeiro, 1987: 1

Pedro Bandeira escreve:
[...]
De tudo que o mundo ainda
Tem pra ser aproveitado,
Existe uma coisa linda,
Um bom poeta inspirado.
Se poeta é coisa rara,
Deus mandou pra Abaiara
Um que se chama Gilvan
Que canta a mãe sem pernoite
A voz da “boca da noite”
E o ventre azul da manhã
[...]
(Bandeira. Prefácio In Grangeiro, 1997: 3)

Gilvan Grangeiro iniciou no “mundo da música” e da poesia com aproximadamente dezoito anos de idade e, segundo ele, teve o despertar pela Cantoria a partir da influência sofrida pelo meio onde esteve inserido desde a sua infância. Sempre participou de várias cantorias e festivais realizados no Cariri.

Me interessei pela Cantoria ouvindo os outros poetas, Pedro Bandeira, Daudet Bandeira, Geraldo Amâncio, João Alexandre... Nos acontecimentos importantes, casamentos, renovações, aniversários, batizados, festas em geral, quase sempre tinha a presença dos repentistas. Meu pai  gostava  muito,  e  até  fazia  versos... Desde criança eu assistia as cantorias. Havia muitas na casa dos meus pais, dos meus
avós, e na vizinhança também. E a gente sempre ia...
 Uma das pessoas que me influenciou diretamente foi o meu tio Silvio Grangeiro, que também é repentista. Além de ser da família é uma pessoa por quem sempre tive grande admiração. (Gilvan Grangeiro em entrevista concedida no dia 17 de agosto de 2013)

Sua produção cultural já foi tema de um trabalho apresentado por mim no XII Congresso de SIBE - Sonidos del presente, propuestas de futuro: Investigación, innovación y aprendizaje en las músicas populares urbanas y de tradición oral, que aconteceu em Cáceres (Espanha), de 8 a 10 de novembro de 2012, na Universidad de Extremadura (Complejo Cultural San Francisco). O título do trabalho apresentado era A Cantoria Repentista: transmissão do conhecimento poético­musical através da obra de Gilvan Grangeiro.




  1. ESCOLA DE REPENTISTAS DE ABAIARA

Cantoria no Humberto
Muito está nos agradando
Já tem criança escrevendo
Alguns versinhos formando
Na terra fertilizada
A semente foi plantada
E já está frutificando
(Gilvan Grangeiro)
Como foi dito anteriormente, estou realizando uma ação pedagógica voltada para o estudo da Cantoria Repentista na turma de 4° ano da E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra. Esta atividade que dará embasamento prático à pesquisa foi iniciada em Agosto de dois mil e treze, acontecendo sempre nas sextas-feiras. É inspirada no “Método Pimenta”, e foi integrada a Cátedra Experimental de Poesia Improvisada, passando em vinte oito de outubro do mesmo ano, a fazer parte da Red ORALITURA para la enseñanza de la improvisación. É importante ressaltar que durante esse semestre toda a metodologia utilizada durante a atividade foi pensada por mim juntamente com Gilvan Grangeiro, mas a partir do próximo ano poderemos contar também com materiais metodológicos da Cátedra, como consta na Carta de Apadrinhamento enviada por Alexis Diaz-Pimenta:

Asimismo, hacemos constar que tanto la Cátedra de Poesía Improvisada como Proyecto ORALITURA brindarán su apoyo, apadrinamiento y asesoría metodológica a la Escola Experimental de Repentistas de Abaiara, que pasaría de este manera a formar parte de la Red ORALITURA para la enseñanza de la improvisación[...]
La Escola Experimental de Repentistas de Abaiaracontará a partir de ahora con la asesoría metodológica de nuestra Cátedra y de Proyecto ORALITURA, y podrá utilizar para su proyecto docente los materiales didácticos y los libros de texto que hemos usado durante casi 15 años en nuestras escuelas en Cuba y España, entre ellos, Teoría de la Improvisación Poética y Método Pimienta para la enseñanza de la Improvisación, publicados por Scripta Manent Ediciones. Estos libros son la base teórica y metodológica del proyecto de enseñanza de la improvisación que ha dado como resultado, en Cuba, la existencia de un amplio movimiento infantil y juvenil de repentismo, con miles de niños y jóvenes practicando y aprendiendo el arte de la improvisación poética.
  1. DESCRIÇÃO DO PROCESSO

(...) toda criança pode alcançar altas capacidades se for exposta a um método educacional adequado.”
(Shinichi Suzuki)

No primeiro encontro, expliquei rapidamente o que seria feito, a intenção do projeto e o motivo de ter escolhido a escola E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra; partindo de alguns questionamentos feitos na sala como, por exemplo: “Vocês gostam de poesia? Conhecem alguma? Conhecem algum poeta?” falei sobre Gilvan Grangeiro e o relevante trabalho que desenvolve em Abaiara e em outras cidades, já que de início suas poesias seriam a base para o desenvolvimento do trabalho. Propus uma dinâmica na intenção de “quebrar o gelo” e descontrair a turma, a dinâmica do abraço, onde em duplas “viajamos por diferentes países”; cada lugar tinha uma forma de saudação diferente, e o objetivo era nos cumprimentarmos da maneira que o lugar indicasse. Para finalizar a professora Sheila Caldas e o aluno Cícero Douglas encenaram a poesia “João e Maria Rita” feita pelo referido poeta, para que os alunos conhecessem a poesia e fossem se familiarizando com o que seria estudado. Neste dia estavam presentes também os alunos do 3° ano.
No outro encontro trabalhei a música Epô i tai tai ê, canção de ritmo alegre que exercita a concentração, o ritmo e a dicção e fiz algumas brincadeiras a partir da música. Introduzi três das estruturas da poesia, verso, rima e estrofe,que chamei de ingredientes do poema, para tornar a aula mais atraente, referindo-me sempre à poesia falada. Para facilitar o entendimento dos alunos construí juntamente com Gilvan definições claras e simples para cada “ingrediente”.
Definimos, portanto, da seguinte forma: rimas são palavras que têm o mesmo som no final; versoé cada uma das linhas que constituem e/ou formam o poema; estrofe é um conjunto de versos. Detemos nosso foco maior na rima, considerando que nesse momento o verso e a estrofe ficariam restritos somente a definição, e não ainda à sua construção. Propus então exercícios com palavras rimadas, que os alunos executaram com muita agilidade, tendo em vista a facilidade do tema e o fato deles já terem estudado anteriormente um conteúdo relacionado.
Na semana seguinte trabalhamos as definições da oração e da métrica, outros “ingredientes do poema”, focando especialmente na métrica dos versos do estilo de poema sextilha. Estes receberam as definições a seguir: oração é o sentido do poema e métrica é a quantidade de sílabas poéticas que a aparece no verso.
Iniciamos com o estudo de frases e a sua respectiva divisão.

1 2 3 4 5 6 7 8
O/ me/ni/no/ foi/ pra/ ru/a”
1 2 3 4 5 6 7 8
Ti/a /Lu/ é /a/mo/ro/sa”
1 2 3 4 5 6 7
Va/mos/ brin/car/ no/ quin/tal
Posteriormente estudamos estrofes completas, não ainda escrevendo, mas observando a estrutura de cada uma, a formação da estrofe, a quantidade de linhas e de sílabas poéticas e suas divisões, e onde apareciam as rimas. Todas as estrofes abaixo foram criadas por Gilvan Grangeiro, especialmente para este trabalho.
Ex. 1
Ser camponês é nascer
E se criar no Sertão
Enfrentar chuva, calor
Plantar arroz e feijão
Almoçar angu com leite
E jantar feijão com pão

Ex. 2
Eu consigo ver Jesus
Nos gases que tem no ar
No brilho da luz do sol
Na beleza do luar
No encanto das estrelas
Na imensidão do mar

Ex. 3
Quem perde de ver o mar
Com toda sua grandeza
Deixa de ver o poder
O encanto e a riqueza
De uma das mais fantásticas
Construções da natureza


No quarto encontro, quando os alunos já conheciam as estruturas da poesia, já tinham convivido um pouco com aquele ambiente, combinei com Gilvan uma visita à turma. Os alunos ficaram encantados diante do poeta tão citado nas aulas anteriores como referência para o trabalho desenvolvido. Era perceptível, através da troca de olhares tímidos, a vontade de extrair alguma lição, de ouvir a voz do grande mestre, ou ainda de conhecer sobre o instrumento, tão comum e ao mesmo tempo tão diferente.
Na ocasião Gilvan falou sobre a Cantoria Repentista e os aspectos que permeiam o mundo da arte do improviso, relatando um pouco da sua experiência como cantador, falando sobre os eventos e como ocorre a interação entre os cantadores e o público, sobre a improvisação, sobre a viola, entre outros assuntos. Nesse momento, os alunos tiveram o primeiro contato com a poesia cantada, pois o poeta se dispôs a cantar algumas sextilhas com temas sugeridos pelos alunos, que adoraram a idéia.
As principais sugestões foram saudade, amor, família, capoeira, carinho, e ainda uma homenagem à professora tia Lu e a mim. Foi um momento muito interessante, pois os alunos puderam conhecer pessoalmente um grande artista da cidade e também vivenciar de perto a Cantoria Repentista.
Para a aula seguinte, combinei com tia Lu e com a turma uma gincana “passa ou repassa”, onde a sala seria dividida em duas equipes, e os alunos teriam que responder perguntas relacionadas ao assunto estudado. A idéia foi acatada de imediato por todos. Propus-me a elaborar as perguntas, que aumentariam gradativamente de nível no decorrer da competição, Tia Lu se dispôs a fazer as tortas e os meninos vibraram de alegria diante da proposta. A principal intenção dessa atividade era de forma descontraída fazer uma avaliação dos conhecimentos que eles tinham adquirido.
Chegado o dia, estavam presentes a maioria dos alunos da sala e algumas professoras da escola, que tinham a tarefa de analisar quem foi mais rápido para “apertar o botão”. As regras eram simples: quem apertasse primeiro tinha direito a resposta; se acertasse dava a “tortada”, se errasse recebia. Cada tortada era motivo de algazarra de todos. A gincana surtiu bom resultado, além da avaliação foi um momento muito divertido.
Dando continuidade às aulas, propus para a sala uma atividade de criação de história, com o propósito de trabalhar o “ingrediente” oração. Distribui algumas figuras, e a partir delas uma pessoa iniciaria a história e de acordo com as figuras as outras dariam continuidade. Cada um falava um trecho, adequando sua imagem aos fatos que vinham acontecendo. O objetivo era que no final houvesse uma história compreensível, que tivesse algum sentido. Fizemos isso duas vezes, sendo que na segunda foram entregues figuras diferentes, e foi interessante porque despertou a criatividade, fez como que eles expressassem idéias em público, trabalhou a questão de atenção no colega e no final todos foram autores de uma única história.
Essa primeira parte foi mais direcionada para o conceito e análise das estruturas da poesia, e feita com o intuito dos alunos conhecerem e entenderam cada “ingrediente”, e de que forma se estrutura a poesia, precisamente a sextilha, para num segundo momento, a partir desta prática, desenvolverem a capacidade de se expressar por meio da construção de pequenas estrofes.
Após esse momento, iniciamos a prática da escrita. Dividi a sala em duplas e/ou trios, e igualmente a aula anterior, distribuí algumas figuras, mas dessa vez, a proposta era que os alunos baseados nas imagens que tinham recebido, pudessem se expressar por meio de versos, com o desenvolvimento de ao menos uma estrofe. Houve um pouco de resistência por parte da turma, que insistia em dizer que ainda não sabia como fazer. Fiz uma revisão geral do conteúdo e começamos a prática da escrita. Abaixo algumas estrofes resultantes da atividade proposta:

A natureza
A natureza é bela
Bonita e harmoniosa
Todas as pessoas falam
Que ela é valiosa
Por isso é importante
Conservá-la esplendorosa
(Ana Clara, Vitória Régia e Ângelo Luna)

O cinema
Quem sempre vai ao cinema
Para um filme assistir
Começa a se emocionar
Se alegrar e divertir
O cinema é muito bom
E eu também quero ir.
(José Victor, Pedro Henrique e Matheus)

A menina desarrumada
Em um dia a menina
Acordou desorientada
Sem o chinelo nos pés
E também muito assustada
Ela estava muito feia
E também muito atrasada
(Kaio Pereira da Silva)

A tempestade
Numa noite bem escura
Tinha um monte de trovão
Raio, vento e relâmpago
Uma grande confusão
E a chuva tava bem forte
Que quase não para não
(Ana Clara, Vitória Régia e Ângelo Luna)


Na construção da estrofe prevaleceu a idéia dos alunos, porém em alguns aspectos mais técnicos das poesias precisou da minha intervenção, o que era previsível, por ser a primeira experiência deles enquanto escritores de poemas.
Para o encerramento de nossas aulas, apresentei para a turma a carta de apadrinhamento que recebi de Alexis Diaz-Pimenta, explicando que a partir de então a nossa escola está integrada a um centro internacional e que no próximo ano teremos acessoria da Cátedra Experimental de Poesia Improvisada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos por meio desta pesquisa foram muito satisfatórios.
À medida que me aprofundei no tema da Cantoria Repentista pude constatar sua grande importância para a Cultura Popular e para a Educação Musical enquanto expressão artística, cultural e modalidade literário-musical.
Atualmente a Cantoria Repentista tem conquistado novos espaços, se tornando cada vez mais conhecida e apreciada. Diferentemente de outras expressões culturais que nascem na cidade e são levadas ou impostas ao campo, a Cantoria ganha proporções diferentes: sai dos terreiros das fazendas e se faz presente nas cidades, inclusive nos grandes centros urbanos. A Cantoria não é ainda uma cultura de massa, mas com a diversidade literária e musical oferecida nos dias de hoje, pode ser considerada uma cultura de resistência, por se manter firme apesar dos preconceitos, conseguindo estar presente em espaços privilegiados como SESC’s, teatros, programas de rádio e televisão, universidades.
Em Abaiara onde era promovida apenas nas festas familiares, tornou-se parte integrante da programação cultural anual, onde é tema de dois festivais, e acontece com mais freqüência e maior participação na zona rural e urbana.
Para a realização do trabalho de ensino da Cantoria na escola foi decisivo o apoio da E. E. I. F. Cel. Humberto Bezerra, nas pessoas da diretora Ivonete Caldas, das coordenadoras pedagógicas Maria Socorro e Sheila Alves, e da professora Luciana Caldas, que coordena a turma 4° ano, onde foi realizada atividade prática.
Desde o início houve uma boa aceitação do projeto por parte do núcleo escolar e de todos os alunos da turma que foram muito participativos nas atividades propostas durante as aulas. Foi uma experiência gratificante e ao mesmo tempo surpreendente principalmente pela facilidade que tiveram de assimilar o conteúdo, e por fim de escrever pequenas estrofes, demonstrando que o trabalho foi válido.
Foi interessante também a participação do poeta Gilvan Grangeiro, que além de ser uma figura muito representativa para esta atividade, esteve presente em alguns momentos, e me auxiliou de forma significativa no planejamento das aulas e na realização da pesquisa. Suas poesias a ilustraram em vários momentos, inclusive no que se refere aos diversos estilos, permitindo que este trabalho se tornasse também uma fonte de registro da sua obra.
Pude constatar ainda que é possível aplicar aspectos da Cultura Popular dentro de um ensino formal, aproveitando a transversalidade que oferece Cantoria Repentista nos conteúdos de letras e música, sendo importante por incentivar a interação entre cultura tradicional do povo e a escola e de também privilegiar a lei 11769, que torna obrigatório, o ensino da música na Educação Básica das escolas públicas e privadas do Brasil.
Outro importante resultado foi conseguirmos integrar a Escola de Repentistas de Abaiara à Cátedra Experimental de Poesia Improvisada, um projeto que envolve vários países e que tem como intuito estimular a permanência e renovação da tradição do verso improvisado em seus diferentes gêneros em toda Ibero - América e que a partir do próximo ano nos dará apoio metodológico, contribuindo para a continuidade do projeto.
Conclui-se, portanto, que a proposta da atividade tem funcionado e rendido bons resultados, considerando que os objetivos estão sendo conquistados. A iniciativa de inserir elementos da cultura popular no ambiente escolar interligando desta forma dois campos científicos importantes na minha formação, Educação Musical e Etnomusicologia, é de grande relevância, visto que contribui também para a formação cultural dos alunos, principalmente no caso desta atividade, onde a turma tem a oportunidade de aprender através da experiência de Gilvan Grangeiro, profissional da Cantoria.
Para encerrar, deixo a reflexão acerca da importância da manutenção desta arte e do incentivo à descoberta de novos talentos. Que a Cantoria, tradição musical tão grandiosa no Cariri, possa ser mais observada, ouvida e valorizada pela nossa sociedade e no âmbito internacional.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, Luiz Botelho de; MATOS, Elvis de Azevedo; MORAES, Maria Izaíra Silvino; SCHRADER, Erwin. Educação Musical – Licenciatura – Projeto Pedagógico Para Implantação.Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri. Fortaleza. 2009.
BIANCARDINI, MARCUS. A Viola Caipira. Disponível em:http://www.marcusbiancardini.com.br/swf/viola.swf#sthash.9bUSDmBI.dpuf. Acesso em: 20/11/2013.

ERNESTO FILHO, Pedro. Por dentro da Cantoria. Fortaleza. Banco do Nordeste do Brasil, 2013.
SANTOS, Francisca Pereira dos, MORAES, Maria Izaira Silvino (organizadoras). Esmiuçando Saberes de Gente Semente: Uma História de Encontros Pedagógicos. Fortaleza: Diz editoração e produção de eventos culturais. 2011.
GRANGEIRO, Raimunda Caldas. A crítica social na Cantoria Repentista. Crato: Universidade Regional do Cariri. 2009.

GRANGEIRO, Gilvan. 1987. Sertão e Poesia. Livraria e Tipografia do Cariri.

______________. 1997.  Nossa Vida no Sertão. Milagres: Gráfica Belém

PIMENTA, Alexis Díaz. Enseñanza de la Improvisación: Regresar al Futuro.Disponível em:http://cuartodemalamusica.blogspot.com.es/2011/10/ensenanza-de-la-improvisacion-regresar.html. Acesso em: 09/10/2013.
RAMALHO, Elba Braga. Cantoria Nordestina: Música e palavra. São Paulo: Terceira Margem. 2000.
WILLE, Regiana Blank. As vivências musicais formais, não-formais e informais dos adolescentes: Três estudos de caso. Porto Alegre. 2003.
WOLFFENBÜTTEL, Cristina Rolim. Vivencias e concepções de folclore e música folclórica: um survey com alunos de 9 a 11 anos do ensino fundamental. Porto Alegre. 2004.

ENTREVISTAS
Gilvan Alves Grangeiro, 50 anos, Poeta repentista. Agricultor, atualmente Secretário de Cultura, Abaiara, CE, em: 17/08/2013.

1 Os apologistas são os interlocutores entre os cantadores e o público. Assim eles fazem parte do Sistema da Cantoria. Funcionam como porta-vozes dos ouvintes, na organização dos conteúdos em ‘motes’. São os ‘empreendedores informais’ de grandes e pequenas cantorias; os que se articulam com o comércio, os bancos, as famílias mais abastadas, os meios de comunicação, os setores do poder público para conseguir melhorar o cachê dos cantadores e tornar a Cantoria acessível ao universo daqueles que carecem de melhor poder aquisitivo. Eles dão a esse evento uma atmosfera de entusiasmo. Em algumas regiões setoriais do Estado do Ceará, há apologistas documentando, com gravadores e até como câmeras de vídeo, todo o desenrolar dos repentes cantados, por iniciativa própria, colaborando com a preservação de seus mais expressivos momentos e a reprodução desse material para o uso dos profissionais da viola, como forma alternativa de rendimento. A figura do apologista se destaca pela sua capacidade de lidar com o público, de conduzir o evento, de ser familiarizado com as técnicas de rimar, metrificar e construir a oração, identificado com o linguajar próprio usado nas Cantorias, e, principalmente por ter sensibilidade artística. Ele é, portanto, um ouvinte diferenciado. Organiza o evento e acolhe os cantadores em casa com honras especiais, se necessário for. (Ramalho, 2000, p. 94)
2 De acordo com Pedro Ernesto Filho é uma regra antiga de repetir o último pé da estrofe anterior na estrofe imediata [...]. Posteriormente, aproximadamente em 1962, o poeta José Galdino da Silva (Zé Duda) [...] inventou a deixa brasileira propriamente dita, que é, ao invés de repetir, improvisar um pé rimando com o da estrofe do companheiro com quem enfrenta a contenda. (p.50)

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